Dembwa, um espetáculo sankofa

O Espetáculo Dembwa será apresentado entre os dias 10 e 12 de Novembro no Espaço Xisto Bahia, em Salvador. Na sexta e sábado, as apresentações acontecem às 20h, e no domingo, 19h.

A produção utiliza memórias biográficas dos dançarinos para uma coreografia que espelha as narrativas de muitos brasileiros – pretos, periféricos, bixas, afeminadas, mulheres, candomblecistas, crianças viadas com camisas nas cabeças a dançarem – “a dança, especificamente o pagode baiano, foi a primeira manifestação de liberdade do meu corpo gay, com meus cabelos de algodão me sentia mais a Carla Perez, do que o Jacaré”, o funk, quadril a requebrar.

_Qual o seu chão?_

_Tempo para dançar,_

_Tempo quer cantar,_

_Gota d’água para lavar,_

_Assobio de Tempo pra curar._

Barro. Quintal. De casa. Pregadores. Mãe, canta com as mãos a dançar. Roupas, a lavar. Lembranças. Rabiscos de memórias. Referências, dos nossos corpos-lar, a se reencontrar. Pedaços de um tempo espiralar. Tempo, a assobiar. Vento a desequilibrar. Dançar. Samba de Caboclo. Força ancestral brasileira é a primeira a se saudar. Águas de yabás para curar Ori.

“Enquanto Marcos traz essa referência do quintal, que nos faz recordar das lavadeiras, das ganhadeiras, dessas mulheres pretas que são o nosso chão ancestral. A minha primeira referência veio em uma conversa com meu babalorixá, em que falamos da cumeira e dessa força ancestral que é a base, o chão de cada terreiro. Ao trazer nossas referências e narrativas para Dembwa percebemos que temos chão e que não estamos soltos, apesar de todas as violências sociais que sofremos”, declara Wills.

Dembwa é um espetáculo sankofa, uma coreografia ancestral em atos, a narrar as histórias de muites. Um transe em saudação para afirmar e firmar. Do samba de caboclo, que leva ao chão, a bolar. Transe para espelho ancestral se transformar. “Acredito que o nosso principal objetivo é dançar os nossos chãos e questionar: de quais rios viemos? quais os nossos quintais? onde está a sua raíz? o seu chão?. Ao retornar para esse chão, compreendemos o que nos foi tomado”, indaga Ferreira.

O vento, Tempo. O Tombo, barravento. O Chão, para saudar. Pelos quatro cantos, benção a quem reina a cabeça. Dança, de respeito aos homens guerreiros de outro tempo, espelho dos homens de hoje. As narrativas documentais de Marcos Ferreira e Ruan Wills é dançada com a guiança das forças ancestrais dos oborós – a caça de Oxóssi, a espada amolada de Ogun, o silêncio de Obaluaê, a alujá de Xangô, para desaguar nas águas arco-íris de Oxumaré. Natureza a se transformar.

Ferreira e Wills, trazem as danças das religiões de matriz africana como estratégias afro futurísticas para mergulhar no passado, dançar no presente, que já é o passo para o futuro. Movimentos tecnológicos e ancestrais em consonância com a dança contemporânea das ruas periféricas de Salvador e do Rio de Janeiro. Como diz Inaicyra Falcão, “Corpo e Ancestralidade”. A rua é trânsito, movimento. Encruzilhada. Ritmos para se reconectar e se afirmar. Corpo bixa a se afirmar.

“O espetáculo permeia esses chãos que nos afirmam e nos fortalece, mas traz as violências – racismo e a homofobia – sofridas por corpos como os nossos. E aí trazemos os ritmos e coreografias contemporâneas para dançar e firmar nossos corpos como referência ancestral do agora”, reforça o artista da dança Ruan Wills, que hoje faz parte do elenco da Biblioteca de Dança, com Jorge Alencar e Neto Machado, e do Balé do Teatro Castro Alves (BTCA).

Se as primeiras lembranças vem do quintal de mãe, um dos atos de Dembwa é dedicado às yabás – orixás femininos, entidades que carregam em si o poder sobre as águas, que são vida, mães, líquido-nascimento, cura e carinho de Ori. Nesta parte da coreografia, pregadores viram beleza e encanto nos corpos dissidentes de Marcos e Ruan.”Iansã cadê Ogun? Foi pro mar”, para o colo de Iemanjá. Um dos seus filhos é Exu, rei que é dono do comunicar. Pregadores símbolos para o padê a se despachar.

“Percebendo as encruzilhadas que nos aproximam, bem como, nossas memórias, experiências de vida e as histórias que traçam a trajetória dos nossos familiares e que também se assemelham às histórias das pessoas pretas no Brasil, nasce o espetáculo Dembwa. Ancestralidade, referências, memória e retorno são palavras que deram ignição ao processo criativo da obra”, explica Marcos Ferreira, que atualmente é diretor e coreógrafo do Grupo Jeitus de Dança e Balé Jovem de Cajazeiras.

Em Dembwa, os artistas Marcos Ferreira e Ruan Wills investigam de forma multidirecional suas referências ao longo do tempo, como uma forma de “entender nossas gingas como mecanismos tecnológicos, mapeando novas rotas a partir desse retorno. É um convite a reacessar memórias e sonhar com quem nos sonhou, um despertar para nossa existência a partir do olhar para os nossos ancestrais, nos reconhecendo como ancestrais desse tempo”.

Dembwa é uma coreografia permeada de retalhos, assim como seu figurino patchwork, construído a partir de vários restos – de roupas, fios, acessórios, tecidos, etc.. Os artistas que além de intérpretes também assinam a concepção e coreografia do espetáculo, reforçam o resgate e o retorno como fatores importantes de sobrevivência, entendendo que quanto mais nos aproximamos da nossa ancestralidade e da força dos que vieram antes, nos aproximamos também da força que somos nesse tempo.

Os ingressos custam 30 (inteira)  e 15 (meia) – venda na bilheteria do Teatro.