O Brasil, resultado de um longo processo histórico de colonização e escravização, possui uma herança africana que se reflete em aspectos da cultura, religião, música, culinária, dança, e até nas formas de expressão política e social. No entanto, apesar da profunda influência de suas raízes africanas, a valorização dessa herança tem sido um desafio contínuo no país, especialmente no contexto educacional.

Embora a Lei 10.639/03 e a Lei 11.645/08 estabeleçam a obrigatoriedade do ensino sobre História e Cultura Afro-brasileira nas escolas, a implementação efetiva dessas normativas ainda enfrenta obstáculos significativos, que dificultam uma verdadeira transformação educacional.

A Lei 10.639/03, sancionada em 2003, obrigou o ensino da história da África e da cultura afro-brasileira nos currículos da educação básica em todo o Brasil. Já a Lei 11.645/08 ampliou esse escopo, incluindo o conteúdo relacionado aos povos indígenas, mas também reforçando a necessidade de ensino da história e cultura afro-brasileira. Ambas as leis foram um avanço importante para o reconhecimento da herança africana no Brasil e para o combate ao apagamento histórico de milhões de africanos e seus descendentes.

No entanto, a realidade nas salas de aula revela que o cumprimento dessas leis ainda é insuficiente. Em muitos casos, o conteúdo programático continua a ser superficial, limitado a breves menções sobre a escravidão e as suas consequências, sem uma abordagem mais profunda sobre as contribuições culturais, sociais e científicas dos povos africanos e seus descendentes no Brasil. A educação brasileira, em sua maioria, ainda subvaloriza essa herança, priorizando um currículo eurocêntrico que marginaliza e invisibiliza as raízes africanas da sociedade.

Um dos principais obstáculos para a implementação plena dessas leis é a falta de produção de conteúdo pedagógico adequado e a escassez de formação específica para os educadores. Muitos professores não têm acesso a materiais didáticos que contemplem as especificidades da história e da cultura afro-brasileira, o que compromete a qualidade do ensino nesse campo. Além disso, a resistência cultural à temática ainda é um problema, seja por preconceito enraizado, seja pela falta de incentivo governamental para a inclusão efetiva do conteúdo nos currículos.

Outro desafio significativo é o fato de que o ensino da herança africana nas escolas muitas vezes se restringe a datas comemorativas, como o Dia da Consciência Negra, ou a breves episódios históricos, como a abolição da escravatura. Isso impede que os estudantes compreendam a profundidade e a diversidade da cultura africana e de seus descendentes no Brasil. A música, a culinária, as religiões, as manifestações artísticas e a influência dos africanos nas diversas regiões do Brasil são temas que precisam ser tratados de maneira constante e integrada ao cotidiano escolar, e não apenas em momentos pontuais.

É necessário, portanto, um esforço conjunto entre governo, sociedade civil e instituições educacionais para que as leis 10.639/03 e 11.645/08 sejam de fato cumpridas e transformem o ensino nas escolas brasileiras. Isso envolve desde a produção de materiais pedagógicos adequados até a capacitação contínua dos professores, garantindo que todos os estudantes possam acessar e compreender a importância da herança africana no Brasil.

Em um país marcado pela diversidade cultural, reconhecer e valorizar a herança africana é um passo fundamental não só para uma educação mais justa e inclusiva, mas também para a construção de uma sociedade mais igualitária e menos racista. Contudo, será que a sociedade brasileira, em todos os seus setores, está disposta a abraçar essa transformação necessária, ou continuaremos a marginalizar, mais uma vez, a rica contribuição dos africanos e seus descendentes na formação da identidade nacional?