Desigualdade e estigma territorial: as diferenças da cidade

Vista da favela de Paraisopolis, na zona sul de Sao Paulo, com predios de alto padrao do bairro do Morumbi ao fundo _ Foto: Apu Gomes

Ao avaliarmos as periferias pelo que elas deveriam ser, devemos tomar
cuidado com o “dever ser” que mobiliza essa avaliação. Geralmente, esse
“deve ser” está materializado na cidade legal do ponto de vista estético,
arquitetônico e urbanístico sintetizados nos bairros de luxo, e não discussão
de processos democráticos e justo de produção da cidade.

A consciência das diferenças da cidade tem sido usada para hierarquizar e
valorizar diferenciadamente a cidade, não para produzir lutas contra as
desigualdades sociais e o acesso diferenciado aos recursos materiais e
simbólicos que configuram o espaço urbano. Isso tem significado, no plano
da cidade, um fortalecimento dos estigmas e discriminações territoriais
desferidos contra os lugares periféricos que passam a ser reconhecidos
como espaço do grotesco, da feiura, do caos e da desordem da cidade, que,
muitas vezes, são defendidos pelo próprio morador periférico.

A emergência do marketing urbano, por meio da qual a valorização da
imagem da cidade a partir de alguns pedaços que invisibilizam os espaços
periféricos, alimenta mais ainda o preconceito e a política de
estereotipagem em relação aos espaços periféricos, que passam a ser vistos
como indesejados, desajustados e inadequados.

A experiência de uma vida diferenciada por parte dos moradores
periféricos, principalmente os informais, ao se deslocarem pela cidade entre
os bairros de classe média e de elite, acaba reforçando a concepção de que
seu bairro não está na cidade. Isso muitas vezes pode fazer com que ele não
forneça o endereço de onde vive.

A forte tendência de julgar o outro pelo lugar onde mora, fazendo uma
forte associação entre a visão moral do indivíduo e o lugar onde vive, acaba
produzindo efeitos terríveis sobre as populações que habitam esses lugares.
E como associa-se esses espaços à ilegalidade e informalidade urbanas e à
criminalidade e violência, uma certa desconfiança social recai sobre seus
moradores fazendo-os perderem empregos ou serem submetidos às
agressões morais e zombarias públicas cotidianas: “Mora mal, hein?!”
Do ponto de vista do bairro os efeitos são ainda mais perversos, pois os
moradores acabam se dividindo entre os que odeiam o bairro e têm um
desejo forte de sair dele, inclusive apontando os lugares do bairro que seriam culpados pela má fama e aqueles, a grande maioria, que percebem
que vivem uma certa discriminação territorial e se mobilizam contra.

Assim, como há uma forte tendência a avaliar a periferia não sobre suas
ideias de transformação da cidade, mas sim sobre o padrão de cidade
desigualmente vivido, reforça-se o “preconceito territorial” que ganha mais
espaço que as lutas pelas melhorias do lugar. A despeito da existência de
lutas pelas melhorias do bairro e campanhas contra a discriminação, com
estratégias de valorização da história local, ainda há uma forte presença do
estigma territorial na cidade.

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