Em São Paulo, 71% das crianças e adolescentes utilizam o transporte público toda semana - Foto: Regiane Rocha
Em São Paulo, 71% das crianças e adolescentes utilizam o transporte público toda semana - Foto: Regiane Rocha
Em São Paulo, 71% das crianças e adolescentes utilizam o transporte público toda semana - Foto: Regiane Rocha

Em São Paulo, 71% das crianças e adolescentes utilizam o transporte público toda semana – Foto: Regiane Rocha

As lesões no trânsito são as principais causas de mortes acidentais de crianças e adolescentes com idades de 0 a 14 anos no Brasil. O Ministério da Saúde aponta que, só em 2019, cerca 8.704 crianças nessa faixa etária foram hospitalizadas e, em 2018, 680 morreram em acidentes de trânsito.

Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), 93% das mortes de trânsito mundiais ocorrem em países de baixa e média renda, embora eles concentram aproximadamente 60% dos veículos do mundo.

O World Resources Institute Brasil (WRI) alerta que é necessário alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir a segurança viária, tema que deve estar entre os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. A organização afirma que formular políticas públicas específicas para a redução de acidentes envolvendo crianças é uma forma de assegurar os direitos à mobilidade delas e também de garantir o acesso ao sistema de educação e demais serviços e equipamentos públicos da cidade.

O WRI Brasil aponta ainda que é preciso alterar o Código de Trânsito Brasileiro de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana e incorporar a perspectiva das crianças no deslocamento pelas cidades para que as ações deixem de ser reativas, e passem a prevenir acidentes.

Para tentar diminuir o impacto no trajeto da filha para a escola, a recepcionista Sara Kelly contratou um serviço de transporte particular, que busca a menina em casa. Andressa Kelly, de 10 anos, mora com a mãe e o padrasto em Del Castilho, subúrbio carioca, e estuda em uma escola do bairro vizinho, Higienópolis. Se usasse os ônibus da cidade, a menina ainda teria que andar um longo pedaço a pé, além de atravessar as ruas movimentadas da região.

Para a pequena, além do conforto, o tempo no transporte escolar ainda se transforma em um momento de lazer. “Quando eu voltava da escola, a gente brincava na van, às vezes comprava sacolé na frente da escola e eu vinha conversando bastante, dava pra fazer muitos amigos pelo caminho”, lembra. Experiência que Andressa afirma sentir falta nesse período de pandemia. “Quero voltar logo pra encontrar minhas amigas”.

Andressa Kelly usa o transporte particular para ir e voltar da escola no subúrbio carioca - Foto: Arquivo pessoal
Andressa Kelly (à direita) usa o transporte particular para ir à escola no subúrbio carioca – Foto: Arquivo pessoal
Deslocamento a pé

Segundo a Seguradora Líder, que administra o Seguro DPVAT, os pedestres são o segundo tipo de vítima que mais recebe o benefício por acidentes de trânsito. De janeiro a junho deste ano, 46.343 indenizações do Seguro DPVAT foram pagas a pedestres. O relatório aponta ainda que 73% dos acidentados entre 0 e 17 ficaram com sequelas permanentes em ocorrências entre janeiro e agosto de 2020.

Apesar dos riscos nas ruas, a ONG Criança Segura alerta aos pais, familiares e responsáveis por crianças que moram em grandes cidades, sobre a importância da mobilidade ativa para o desenvolvimento saudável dos pequenos. Para a organização, os adultos podem, e devem, incentivar as crianças a se locomoverem utilizando apenas a força física do ser humano, seja a pé, com skate, bicicleta ou patinete, mas sem nenhuma ajuda de um motor ou de um adulto.

Segundo a coordenadora de Desenvolvimento Institucional da ONG, Vania Schoemberner, “incentivar o deslocamento autônomo de meninas e meninos, de forma responsável e segura, pode colaborar com a formação de adultos mais independentes, criativos e corajosos”. Para saber quando uma criança está pronta para transitar de forma autônoma, é preciso observar como ela reage sem a interferência de um adulto. “Observe como ela anda na rua, se presta atenção no trânsito, se escolhe o caminho mais seguro, etc.”, explica Vania.

Lariane Cordeiro, do Jacarezinho, favela da zona norte do Rio, já está treinando seu filho, Eduardo Júnior, a transitar pela cidade. Segundo a mãe, o menino de 7 anos ainda não está pronto para andar sozinho na cidade, mas já demonstra grande atenção na rua. “Quando ele passa por um lugar que já conhece, sempre comenta, já até gravou os ônibus que a gente mais usa. Além disso, quando saímos, eu sempre falo pra ele gravar um ponto de referência, caso se perca”, conta.

Eduardo Júnior é orientado pela mãe a prestar atenção aos detalhes no deslocamento pela cidade - Foto: Arquivo pessoal
Eduardo Júnior é orientado pela mãe a prestar atenção no deslocamento pela cidade – Foto: Arquivo pessoal
Percepção do transporte público

A pequena Alícia Corrêa tem apenas 7 anos, mas já soma uma extensa lista de reclamações contra o sistema de transporte público. Ela mora com os pais e dois irmãos, também no Jacarezinho, e detesta quando precisa se locomover pela cidade com os coletivos. “É muito ruim andar de ônibus. Eu tenho medo dele cair porque ele vira [na curva] muito rápido e fica balançando muito”, relata Alicia.

Para a mãe dela, Ediane Corrêa, a mobilidade por transporte público é sempre um momento de exercitar a paciência e a atenção. “Ela já entra na condução perguntando se vai demorar muito. De trem é um sacrifício porque, na estação do Jacarezinho, a plataforma é muito alta, então eu tenho que sair primeiro para depois pegar ela no colo. Tenho medo de acontecer algum acidente, então evito”, diz.

Alícia não está sozinha no desconforto com o sistema de mobilidade urbana. Segundo pesquisa da Rede Nossa São Paulo, 71% das crianças e adolescentes de São Paulo utilizam o transporte público toda semana. A média de satisfação com o transporte, trânsito e mobilidade, ficou em 5,8, numa escala até 10. O respeito aos pedestres foi o aspecto que recebeu menor nível de satisfação na avaliação dos entrevistados, com 5,1. Ao todo, foram ouvidos 805 crianças e adolescentes de 10 a 17 anos, em todas as regiões paulistanas, entre os dias 13 e 30 de junho de 2015.

A falta de respeito no trânsito fez a confeiteira Ynarah Mairinck, de 22 anos, dar preferência ao transporte por aplicativo quando sai com seus filhos, os bebês Miguel, de 2 anos, e Noemi, de 9 meses. Por causa da distância entre sua casa em Nilópolis, Baixada Fluminense, e o seu local de trabalho na zona norte do Rio, o transporte particular acaba saindo mais caro, mas, segundo ela, vale a pena cada centavo gasto se a intenção for dar conforto e segurança aos seus filhos.

Eu acho mais seguro do que o transporte público. Até porque, no carro, só vai eu, as crianças e o motorista e, às vezes, meu esposo. E, nessa época de pandemia, não ficam muitas pessoas respirando o mesmo ar”, justifica. Em sua decisão, Ynarah ainda levou em consideração um outro problema que as mulheres já conhecem bem. “Acredito que a experiência confusa no transporte público pode impactar as crianças. Se nós já encontramos problemas de assédio, com os pequenos também pode acontecer”.

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