A sociedade americana, sobre a qual ansiamos por construir o “modelo brasileiro”, segue um processo de várias décadas baseado na crueldade, escreveu o jovem pensador Umair Haque em artigo veiculado no final de agosto na Medium sob o título “The Terrible and Catastrophic Price of American Cruelty”. Segundo ele, o cidadão e a cidadã americanos nascem, crescem e morrem sob o signo da crueldade. Aprendem desde cedo a confiar em si apenas, ser melhor do que o outro, perseguir o sucesso e a bela aparência a qualquer custo, mesmo e sobretudo se isso submeter quem estiver em volta à sensação de fracasso. Sim, é a base do “bullying” e do aumento da taxa de suicídios em todas as faixas etárias nos Estados Unidos. A altíssima competitividade imposta pelo modelo obriga todos a dar tudo de si sempre, trabalhar 80 horas semanais por salários menores com o mesmo sorriso pasteurizado de falsa satisfação.
À medida que envelhece, o americano médio não pode adoecer, nem tirar férias ou licença, sob o risco de ser demitido. Grávidas escondem o quanto podem sua condição para não perder o emprego sumariamente. A vida se resume a duas figuras opostas: predador e presa, e ambas acreditam que é assim em todo o mundo; mas Umair Haque garante que não e tendo a concordar com ele.
Na sociedade americana contemporânea, a própria morte é encarada como fracasso pessoal, a pessoa morreu porque foi descuidada, negligente, não soube ou não quis se cuidar. Com todo o aparato médico industrial disponível, ela é a única culpada de ter morrido. Assim, sobrevivem os predadores, cruéis e desalmados, os poderosos que exportam seu triste modelo para países como o Brasil destas eleições. Ora, está mais do que clara a identidade entre o modelo de Donald Trump e o que Paulo Guedes propõe para o nosso futuro imediato. Fim dos direitos sociais e trabalhistas, das liberdades individuais, do ensino gratuito, de tudo, enfim, que conquistamos ao longo da sofrida história do país. Além de presas, somos ainda predadores de nós mesmos, quando excluímos e assassinamos pretos, pobres, favelados, indígenas em total impunidade. Nisso somos bons e inflamos o peito diante dos gringos patrões que não sentem por nós senão o desprezo dos seres superiores.
Vivemos a época do morticínio. Não basta a televisão entrar pelos nossos olhos, os olhos e mentes das nossas crianças e adolescentes com os seriados e filmes que têm mais tiroteios do que diálogos. É preciso dançar, alcançamos a maturidade para termos também nossas armas e matarmos com toda a crueldade nossos desafetos, como eles fazem por lá, e disso também os seriados dão testemunho. Por isto o capitão candidato quer a liberação do comércio e da posse de armas pessoais; não é só pelo lucro absurdo que dará aos fabricantes de armas e de munição. Na sua cabeça rasa, no seu pensamento rasteiro ele acha que o Brasil subirá um degrau na história da civilização se imitar os Estados Unidos nesta questão. E, como vimos na votação que obteve nas representações diplomáticas em solo americano, 90% dos brasileiros que vivem lá concordam em gênero, número e grau com o capitão.
Este modelo insano exportado por Trump, CIA e todas as organizações plantadas aqui é o ponto visível de exaustão do capitalismo que se debate em desespero num planeta dilapidado ao extremo. Ao mesmo tempo que anuncia mais empregos, Trump leva a sociedade a viver experiências terceiro-mundistas clássicas, como a falta de moradia, de trabalho, de condições dignas de sobrevivência. Os estudantes americanos saem da faculdade devendo seu futuro pelo financiamento do diploma. E caem no mercado sem oportunidades, vão “empreender”, improvisar a vida, se virar. É o que os prepostos brasileiros defendem para nós. Chega a ser emblemático que a disputa se resuma a um militar cruel e um professor virtuoso. Por isto, não hesite: neste domingo, Haddad 13.