No direito, uma questão é clara. Simpatizemos ou não com um acusado, ele é inocente até que se prove o contrário. Este é o caso da ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, presa no Complexo Penitenciário de Bangu até quarta-feira passada, 29, sob diversas acusações de crimes de corrupção praticados ao lado do marido, o ex-governador Sérgio Cabral. Com a presunção de inocência, ela pode usufruir de todas as benesses que a lei oferece. Ou seja, nossa posição deve ser una. O mesmo respeito que eu desejo para a minha própria mãe, caso seja acusada de um crime, devo desejar para Adriana Ancelmo, Eduardo Cunha ou até o presidente do time adversário. Não há legalidade seletiva nem mesmo na dita “República de Curitiba”. A lei é igual para todos – ou deveria ser.
Então, por que devemos comemorar a prisão domiciliar de Adriana? A resposta se concentra em dois pontos. O primeiro e mais importante é saber que o motivo da concessão deste benefício a Adriana traz para a frente do debate jurídico nacional a aplicação da Lei da Primeira Infância, que pode colocar milhares de mães novamente ao lado de seus filhos. A lei afirma: “Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: Inciso V – mulher com filho menor de 12 anos”.
Se isso já é regra, não precisaríamos estar debatendo, certo? Errado. Como sabemos, no Brasil há leis de fácil aplicação e outras não. Essa é uma lei que ainda “não pegou”, por isso é tão importante. Depois da decretação da prisão domiciliar da ex-primeira-dama – um caso obviamente midiático – com respaldo nesta lei, a necessidade de cumprimento entrou no centro dos debates jurídicos. Isso fez com que o Judiciário passasse a dar mais atenção a esse avanço legal, principalmente no que se refere ao direito das crianças – afinal, são elas o objeto de proteção da Lei da Primeira Infância – de não serem privadas do convívio da mãe enquanto a mesma for tecnicamente inocente.
Decisão abre precedente
O segundo ponto é a abertura de precedente, e é por causa disso que devemos comemorar. O cumprimento da lei para o caso de Adriana Ancelmo abre o caminho para que outras mulheres espalhadas pelo Brasil possam também ser beneficiadas. Sabemos bem que, na prática, a lei não é igual para todos, porém, é preciso que sejamos “realistas esperançosos”, como diria o grande Ariano Suassuna: devemos acreditar que isso vai chegar a algumas famílias pobres e faveladas desse Brasil.
A decisão tende a levar outros juízes a aplicarem a Lei da Primeira Infância, beneficiando não apenas rés do sistema penal e, sim, famílias inteiras que podem ser restabelecidas. Comprovando este sopro de esperança, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes concedeu em 31/03/2017 o mesmo benefício da prisão domiciliar a uma senhora de São Paulo em processo movido pela Defensoria Pública. Até onde sabemos, ela não é mulher de nenhum ex-governador.
Seguindo o mesmo entendimento, o advogado e professor de direito penal Nilo Batista, acredita na possibilidade de que, enfim, possamos usar a lei para avançar e generalizar, segundo depoimento à Agência de Notícias das Favelas:
– Nós vivemos tempos de culto a pena, um punitivismo em que caminhamos para um estado de polícia. Essa lei é importantíssima, nós já prendemos demais, temos um efetivo carcerário que é o maior de nossa história e nada melhorou. Entendo que a decisão (a prisão domiciliar de Adriana Ancelmo) é correta, e devemos aproveitar isso para generalizar.
Desta forma, independentemente dos nossos sentimentos pessoais pela família Cabral, devemos respeitar as leis e sua aplicação. Podemos acreditar que, enfim, algum membro dessa oligarquia política contemporânea fez, ainda que de maneira indireta, algo de bom pela sociedade como um todo.