Não sou um favelólogo… Mas, venho pensando em algumas concepções sobre favela que vão do “mito do bom selvagem” ao lugar da delinquência. De um lado, a favela sem conflitos, sem problemas de saneamento básico, de todos sempre felizes… De outro lado, a favela das “classes perigosas”, do “selvagem”, do “bárbaro”, de quem não é “civilizado”… Do mito de Canudos marcado pelo caráter político de resistência bucólica à retórica higienista marcada pelo caráter de periculosidade, ambas as representações de favela reforçam estereótipos. Tenho buscado fugir desses extremos…

Ainda que a intenção seja boa, não curto os discursos sobre favela que invisibilizam caveirão, UPP, violações aos direitos humanos… Ingenuidade? Cinismo? A quem interessa enfatizar apenas potências e afetos desses territórios? Há pouco tempo, um programa de TV foi categórico ao apresentar uma pesquisa sobre felicidade na favela. Não se problematiza nada! Ou é favelado perigoso ou é favelado feliz da vida? Eu respeito demais meus amigos que valorizam o programa Esquenta! (e eles sabem disso). Como um amigo me disse, “em terra de cego (Zona Sul e Barra como microcosmos do Brasil), quem tem um olho é rei”… Nesse sentido, compreendo o valor do programa…

Ao mesmo tempo, dentre outras coisas, eu me incomodo com o silêncio a respeito do extermínio de jovens favelados [1]. No dia 22 de abril, em Copacabana, mais precisamente na favela do Pavão-Pavãozinho, Douglas Rafael da Silva Pereira (o dançarino DG, jovem de 26 anos, do programa Esquenta!) foi morto. Emocionada, a apresentadora Regina Casé disse que o Esquenta! não é um programa “policialesco”… Acredito que ela diga isso com boa intenção. Mas, tratar a favela como um eterno samba na laje e desconsiderar a criminalização da pobreza por parte do Estado é um erro que urge ser reparado; sobretudo, a partir deste acontecimento. Faço a mesma pergunta que o amigólogo (amigo sociólogo) Caio Ferraz: “Será que se o DG não fosse do Esquenta!, o assassinato dele já não estaria num ‘Esfria’?”

Torço para que o Esquenta! promova que “a vida é sagrada” da forma mais profunda possível (para além da roupa branca e do pedido de paz). Não espero – nem desejo – que o programa se torne “policialesco”… Esperar que o programa seja porta-voz da luta pela desmilitarização da polícia, por exemplo, pode ser ingenuidade minha… Mas, espero que o DG não tenha morrido em vão. Não que eu acredite, apaticamente, na “morte com um propósito”. A morte é lamentável, triste, indescritível… Abre parêntesis. Nesse sentido, as homenagens – religiosas ou não – podem amenizar a dor de familiares e amigos enlutados. Fecha parêntesis. Mas, depois do barulho e da visibilidade da morte do DG, não dá para silenciar e invisibilizar casos como esse que acontecem bastante na favela. Porque, em determinados territórios, além de sagrada, a vida de jovens é potencialmente sangrada.

P.S.: Meu abraço solidário à mãe do DG, Maria de Fátima Silva, e todo apoio em denunciar o Estado à Anistia Internacional.

[1] Juventude VIVA. Disponível em: <http://www.juventude.gov.br/juventudeviva/o-plano>.

                                                       estado