Dia 01 de Abril “celebra-se” o Dia da Mentira no Brasil e em alguns países ocidentais. Nesta tradição, as pessoas envolvidas, geralmente, criam brincadeiras onde uma engana a outra, inventam histórias para dar sustos, e depois desmentem.
Não existe nenhuma informação precisa até hoje sobre a origem deste dia, apenas teorias. No Brasil, a data foi registrada em 1828, quando um periódico circulou em MG noticiando a morte de Dom Pedro II, e no dia seguinte foi desmentido.
Dois dias depois, 03 de Abril, é registrado como Dia da Verdade. Porém, o fato é que não é uma tradição comemorá-lo, inclusive, poucas pessoas têm conhecimento da existência desta data.
Pensando o costume dessa “celebração da mentira”, e relacionando-o principalmente com o Capítulo 3: “Honestidade: Seja verdadeira com o amor”, do livro de Bell Hooks, é possível perceber que há uma construção moral que incentiva a mentira na sociedade; que a banaliza .
A autora usa a imagem da verdade como sendo o coração da justiça, o que significa, necessariamente, “dizer a verdade, vermos a nós mesmos e ao mundo como somos, em vez de como gostaríamos que fôssemos”. Essa definição também serviria muito bem ao Jornalismo; e o reflexo dessa “moral mentirosa” que é aceita e propagada, infelizmente também se encontra nos principais meios de comunicação do mundo, tornando-se cada vez mais difícil encontrar um Jornalismo sério e comprometido com a verdade.
No Brasil, as últimas eleições foram marcadas pelas “fakes news”, as informações distorcidas ou inventadas que circulam principalmente na internet. Essas notícias seguem criando força pelos dias atuais, onde a sociedade está sendo constantemente exposta a conteúdos pelas diversas redes sociais e, na maioria das vezes, não realizando uma busca mais aprofundada sobre a fonte da informação, tampouco uma consulta a outras fontes para a criação da credibilidade.
No livro também é citada a documentação por parte de sociólogos e psicólogos dos EUA sobre o quanto as pessoas no país mentem mais a cada dia.
Um pouco mais adiante, a autora chama a atenção para o fato de como, através de uma cultura patriarcal, as mulheres foram estimuladas a mentir como forma de agradar; tanto à sociedade em geral como, principalmente, ao seu parceiro.
Essa prática afasta a mulher do autoconhecimento sobre si e a aliena sobre aquilo que lhe desagrada, além de lhe gerar insegurança, dúvida e a possibilidade de desenvolver doenças como a depressão.
Segundo a autora, muitas pessoas começam a mentir durante a infância, pois é quando aprendem.
Nesse momento ela exemplifica brilhantemente essa afirmação, convidando o leitor a pensar sobre quando eram crianças, quantas vezes foram ensinadas que o correto era dizer a verdade, e quando disseram a verdade, foram punidas. Ou seja, ali revelava-se não só uma incoerência com o discurso emitido pelo adulto, quanto a própria construção da verdade a partir de uma mentira.
Essa contradição acarreta em uma mentalidade por parte da criança de que dizer a verdade traz dor, e ela não quer machucar a si nem ao outro. Essa crença se baseia, também, na criação dos homens, que segundo a autora, aprendem a mentir principalmente para não assumir responsabilidades; além de utilizar desse artífice para manter uma posição de controle ou poder, que é ensinada através da masculinidade patriarcal como algo necessário para o homem.
Bell Hooks retoma a ideia de que somos ensinados enquanto sociedade a temer a verdade; tanto a ouvi-la como a dizê-la, e sobre o quanto esses conceitos distorcidos estão no cotidiano das pessoas, nas pequenas mentiras do dia-a-dia que não precisariam ser inventadas. Existe uma enorme dificuldade em respondermos “não”, em expressarmos nossas verdadeiras opiniões, e ainda, ela afirma que geralmente quando alguém é sincero, automaticamente associamos a atitude a um tipo de grosseria; como se não fosse possível comunicar a verdade de uma forma carinhosa.
Para finalizar, a autora comenta a respeito do amor próprio, do respeito e aceitação.
A partir do momento em que mentimos para nós mesmos, seja para agradar o outro ou por qualquer motivo, estamos nos violentando, nos afastando da nossa própria verdade e aceitação daquilo que somos. Essa prática nos distancia do amor. Do amor próprio, e consequentemente, da capacidade de distribuirmos amor.
Vivendo em 2021, com o mundo passando por um trágico momento como esse, enquanto não existir uma comunicação transparente na sociedade, que busque a compreensão e a integração das diferentes perspectivas no lugar do julgamento, que não dissimule, que fale a partir do coração; continuaremos perdendo força.
O Capitalismo e as estruturas de poder opressoras se sustentam na mentira e ensinam que a verdade machuca, pois assim o povo pode continuar fechando os olhos e seguir acreditando que a mentira que escutam, ainda dói menos do que a verdade omitida.
Essa estratégia que utilizam tem como objetivo que nos distanciemos de nós mesmos e do outro; e quanto mais distantes e desarticulados estamos, mais fracas se tornam as lutas coletivas, e mais facilmente podemos ser controlados.