Querido diário,
tem toda razão o comentarista de futebol Walter Casagrande quando diz que o futebol é uma bolha onde tudo é permitido. Jogadores podem ser sonegadores, espancadores de mulheres, estupradores, o que quiserem. Podem até mesmo afirmar que são brancos, não importa a cor da pele. Só não podem, como já explicou Renato Portalupi certa vez, tratar mal aquele pedaço de couro chamado bola, porque isso não se perdoa.
O Robinho que encanta os estádios com pedaladas desconcertantes e cara de garoto pidão está na berlinda mais uma vez por uma jogada suja numa boate de Milão tempos atrás. Ele foi condenado por estupro a oito anos lá. Como é costume aqui, foi recebido como gênio da raça e mulheres se empurram na fila pelo seu autógrafo, tal e qual o goleiro Bruno, celebrado em toda parte pelo assassinato de Eliza Samúdio. Também o presidente Jair Bolsonaro, defensor de crimes hediondos e de torturadores condenados, é comemorado onde vai – isso é Brasil!
É incrível, querido diário, nossa capacidade de festejar criminosos, elevando seus feitos à categoria de atos edificantes e nobres. Foi assim com Ronald Biggs, assaltante de trem na Inglaterra, fugitivo recebido como vencedor de maratona no Brasil, onde viveu décadas entre caipirinhas e mulheres bonitas. Como Alfredo Stroessner, ditador paraguaio estuprador de menores e assassino de opositores durante mais de quarenta anos, que se asilou aqui e era reverenciado pelos poderosos da ditadura. Esta é, de fato, uma nação de desvalidos morais desde a primeira nau portuguesa desembarcada na Bahia.
O presidente do Santos Futebol Clube, cuja identidade desconheço, falou que Robinho é vítima de linchamento midiático; o processo italiano disse que o alegre craque dos gramados fez sexo à força com a jovem de origem albanesa na boate; ele alegou que a moça estava bêbada e que sexo oral não é propriamente sexo. Sua defesa vê incorreções na tradução do processo do italiano para o português.
Nisso tudo, pergunto ao cartola se ejacular na roupa de uma mulher dentro do ônibus pode; como Robinho classifica o ato que praticou e o que sua defesa alegaria se em vez do italiano a tradução fosse do sérvio. Só o Petcovic para esclarecer a questão, porque é sua língua-mãe e, sobretudo, porque em sua mentalidade parece bem mais culta e elevada do que o reduzido “saia pra cima, calça pra baixo e piru dentro” que Jorge Veiga dizia às fãs em delírio à saída da saudosa Rádio Nacional do Rio de Janeiro em meados do século passado.
São, definitivamente, dias difíceis esses, que expõem a formação da nossa população e da nossa sociedade, a desigualdade, a exclusão, a incivilidade e a falta de cultura da gente brasileira tida como cordial e cruel ao mesmo tempo, o “jeitinho” e o “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”. Só podia dar nisso. Lembra, querido diário, quando uma jovem acusou Neymar de estupro? Bolsonaro justificou em declaração à imprensa: “É um garoto, está num momento difícil, mas eu acredito nele”. É de se esperar demonstração semelhante em favor do Robinho a qualquer momento.
“Ó tempora, ó mores!”, exclamaria Cícero, o senador romano; não o garçom do Beirute da Asa Sul.