O general Augusto Heleno, chefe do Gabinete Institucional da Presidência, soltou o verbo contra o Congresso Nacional, acusando os parlamentares de “chantagear” o Executivo, que assim não poderia administrar o país. Mas a “chantagem” é a mesma que as forças armadas praticam para manter privilégios, como bem insinuou o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia: “O general ficou calado quando votamos o aumento dos salários dos militares da reserva”. Bem assim.
A questão é mais grave ainda porque o general Heleno falou e foi gravado e postado nas mídias sociais pelo próprio presidente Bolsonaro, teoricamente seu superior e guardião da democracia. Isso em tese, é óbvio, porque na realidade ele anda com um galão de gasolina para jogar em todas as fogueiras golpistas que se apresentam.
Agora mesmo vimos Bolsonaro dar uma banana para a imprensa (por extensão, para a opinião pública) e afirmar de maneira pouco sutil que a repórter Patrícia Campos Melo, da Folha de S. Paulo, quis dar o furo contra ele, ou seja, a jornalista teria proposto coito anal ao informante de uma reportagem apenas para atingir o presidente. Nunca tinha tido notícia de alguém dar o cu contra alguém, mas admito que não estou familiarizado com hábitos e costumes da caserna, como o capitão.
A fala do general Augusto Heleno é uma incitação clara a um golpe militar semelhante ao de 1964, e a presteza de Bolsonaro em replicar nas redes sociais comprova o ânimo golpista do chefe do executivo. A isso somem-se as demonstrações de insubordinação e desrespeito às leis protagonizadas por eventuais detentores da força, como os policiais que balearam o senador no Ceará e os que desacatam decisões judiciais impunemente, e teremos o caldo propício à radicalização que acabará com o que ainda resta da democracia no Brasil.
Não é surpresa para ninguém medianamente informado o viés autoritário de Bolsonaro e do seu entorno no Palácio do Planalto. O general Augusto Heleno, o exemplo do momento, foi ajudante de ordens do ministro da Guerra Sílvio Frota, que os mais novos desconhecem porque não se ensina história nas escolas.
O general Frota foi o líder máximo da tentativa de endurecimento do regime militar contra a “distensão lenta, gradual e segura” empreendida pelo general Ernesto Geisel. Sabedor das intenções do seu ministro, Geisel se antecipou, convocou de surpresa os comandantes regionais do exército a Brasília e em seguida demitiu seu ministro da Guerra num despacho protocolar e rude no palácio do governo.
Augusto Heleno era homem de confiança de Silvio Frota em 1977 e supõe-se que tenha preservado a coerência ideológica que agora exibe com toda a franqueza nos canais do presidente da internet. Este, por sua vez, comunga dos mesmos ideais dos que o elevaram primeiro à condição de candidato e em seguida puseram o general Hamilton Mourão como vice e sucessor, no caso de fracasso pessoal do capitão.
Mourão é um homem de ideias claras. Na página que lhe é destinada na Wikipedia lê-se: “Em pronunciamento público em loja maçônica Grande Oriente em setembro de 2017, no Distrito Federal, afirmou que entre os deveres do Exército Brasileiro está a garantia do funcionamento das instituições e da lei e da ordem, e que se o judiciário não fosse capaz de sanar a política existente no país isso seria imposto pelo exército por meio de uma intervenção militar, que na visão dele estaria prevista na Constituição Federal de 1988”.
A substituição de Bolsonaro na presidência, segundo o roteiro traçado pelos militares envolvidos no golpe de 2016, terá de se dar por gesto voluntário seu, a renúncia e um prêmio de consolação por serviços prestados à causa. Assim, Mourão assumirá automaticamente, na condição de vice, como João Goulart assumiu na renúncia de Jânio Quadros. Na remota hipótese de Bolsonaro reagir à ideia, restará a saída heterodoxa da eliminação, que ele conhece muito de perto para desprezar.
Há unidade de pensamento entre militares no governo, às vezes discordante do comportamento do capitão. Mas os graduados que o cercam estão convencidos de que é um homem de boa-fé, um tanto destemperado, é verdade, mas qual milico não é? O último exemplo de general disposto ao diálogo talvez tenha sido o chefe do Gabinete Civil de Geisel, general Golbery do Couto e Silva, que continuou no cargo nos primeiros anos de João Figueiredo. Discreto, bom de conversa, inteligente, foi o criador do Serviço Nacional de Informações no começo da ditadura e artífice da distensão política do governo na segunda metade da década de 1970.
Aqueles generais da ditadura, no entanto, são um pouco distintos dos entronizados no poder hoje. Penso que não seriam tolerados naquele tempo os seguidos atentados à ordem que se verificam hoje, como os tiros no senador Cid Gomes numa revolta policial em Sobral, o assassinato de um universitário pela guarda privada terceirizada dentro da universidade pública na Paraíba, queimas de arquivo como a do ex-policial militar Adriano da Nóbrega e até a morte brutal da vereadora carioca Marielle Franco.
Com certeza os piores atentados políticos foram praticados exatamente na década de 70, em plena ditadura, mas eram repudiados por juristas, advogados e sobretudo a mídia comercial que havia apoiado o golpe de 1964 e se voltou para a oposição quando se percebeu sufocada financeiramente, censurada no seu noticiário e castrada nas ideias. O general Golbery deixou o Gabinete Civil por discordar das investigações e de seus resultados no episódio da bomba no Riocentro, em 30 de abril de 1981.
Não se pretende, aqui, dizer que havia ou há generais do bem e do mal, todos são formados na filosofia positivista inspiradora da proclamação da república e que difere qualitativamente os votos de um cidadão comum e de um general. Em maior ou menor grau, os militares pensam realmente que são mais do que os civis, valem mais, possuem mais valor agregado por sua educação e preparação para a vida. São conservadores por inspiração e ao mais leve desvio para a esquerda são discriminados e mesmo expurgados como maçã estragada no cesto.
Augusto Heleno dá a cara a tapa com suas declarações bombásticas e ameaça de fechamento o Congresso Nacional em conversa com ministros durante o hasteamento da bandeira em Brasília. Mal recuperados da agressão grosseira de Bolsonaro à repórter da Folha de S. Paulo, Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e Rodrigo Maia, da Câmara, reagiram imediatamente. Estão bem cientes de que as palavras do chefe do Gabinete Institucional refletem o pensamento senão dominante bastante influente no meio militar, com boa receptividade na sociedade, em geral conservadora.