O direito a habitação é uma das garantias do artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. No entanto, uma parte expressiva da população brasileira ainda não possui esse direito assegurado. Dados do Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), expõe que, em 2010, o número total de aglomerados subnormais era de 6.329 espalhados por 323 municípios. Esse número cresceu em 2019, para 13.151 em 734 municípios, de acordo com classificação preliminar do instituto.
Conforme relatório do próprio IBGE, aglomerados subnormais são definidos como formas de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia para fins de habitação. Em geral, apresentam padrão urbanístico irregular e carência de serviços públicos essenciais. Além disso ficam localizados em áreas que apresentam restrição a ocupação, como é o caso da favela, invasão, grota, baixada, comunidade, mocambo, loteamento, palafita, ressaca, vila, entre outras denominações que variam de região.
A professora da PUC-Campinas, arquiteta e especialista em urbanização de favelas, Laura Machado de Mello Bueno, percebe que os gestores que estão envolvidos com a elaboração de políticas habitacionais para populações de baixa renda têm apresentado propostas de ação. No entanto ela alega que o investimento tem sido dirigido para construções não inseridas no programa “Minha Casa Minha Vida”.
Segundo Laura, os governos Lula, e o primeiro governo Dilma, ampliaram os recursos para as ações de urbanização de favelas, através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Entretanto, naquela época não houve uma priorização dessas obras e os governos posteriores, de Temer e Bolsonaro, foram mais radicais, pois, restringiram investimentos direcionados para esse tipo de operação.
Engajamento do setor público e população contribuem para melhorias na área da habitação
Laura acredita ser necessário um engajamento maior da sociedade para fazer valer melhor essas obras no orçamento municipal. “Os programas do tipo PAC social, está muito paralisado. Então os moradores precisam questionar os gestores públicos, especialmente nas prefeituras. Sem isso, eu acho que o gestor acaba por deixar em segundo plano”, sugere.
Antônia Cleide Alves, 56 anos, é líder comunitária da favela de Heliópolis, em São Paulo, onde mora há 50 anos. De acordo com a moradora, após o resultado das eleições municipais, a comunidade já se organizou para dialogar com o poder público e incluiu, entre as 19 reivindicações prioritárias, a questão de melhorias para habitação. “Sabemos da necessidade da construção de casa, aqui o modelo de moradia popular que se tem é o Cingapura, mas esperamos modelos que sejam feitos pensando nas crianças e jovens com espaço de lazer e também lutamos pela questão da regularização fundiária”, acrescenta.
De acordo com Laura, ações voltadas a urbanização de favelas e assentamentos precários estão muito fixadas na regularização fundiária, que é importante também, mas muitas vezes esse tramite cartorial administrativo não se reflete em obras concretas por parte da prefeitura. Ela reforça esse engajamento entre poder público e população, uma vez que cada favela tem suas peculiaridades.
Ela ressalta que as grandes empresas contratadas para obras, muitas vezes, não tem esse conhecimento, porque estão acostumados a fazer uma ponte, uma rodovia, aí ganham um projeto pra fazer o saneamento de uma favela, então isso só atrasa e encarece o processo. Assim mudanças a curto prazo, que ela caracteriza como urbanização estática, adequações pequenas, mas que impactam na vida das pessoas, podem ser implantadas e reavaliadas pela própria comunidade, tornando-se soluções permanentes ou desdobrando outras modificações estruturais necessárias a longo prazo.
A pesquisadora exemplifica com um modelo de parceria público-privada-popular, da qual participa, criado pelo movimento BR Cidade. O coletivo desenvolveu uma proposta que envolve as assessorias técnicas da prefeitura, associações de moradores das favelas e grupos que estão na área da economia solidária. trabalhando nesses projetos com apoio e financiamento do setor público, mas sem dependência de grandes empreiteiras. “Desqualificar e distanciar as comunidades e as pequenas empresas dessas obras fazendo somente grandes licitações de alto valor, com exigências as vezes estratosféricas em relação as empresas dificulta muito a concretização dos serviços”, conclui a especialista.
Leia mais: Movimento antirracista faz ato no Dia Internacional dos Direitos Humanos
Leia mais: Impacto da pandemia na cultura e nos direitos humanos é o tema do debate virtual da ANF