* Vinicius Cordeiro
A implantação das Unidades de Policia Pacificadora (UPPs) pelo Governo do Estado mereceu o louvor quase unânime da mída, e foi elogiada mesmo por oposicionistas, que não a combatem, mas ressalvam sua eficácia.
O roteiro já é conhecido de todos. Os projetos de implantação das Unidades seguiram basicamente sempre o mesmo. Inicialmente, anuncia-se a ocupação da comunidade via meios de comunicação, para “espantar”marginais e “evitar confrontos que ponham em risco a população”. Depois, integrantes do BOPE ocupam a área por algumas semanas, o que inviabiliza o tráfico aberto e encerra o domínio territorial das quadrilhas. A etapa seguinte é a instalação da UPP, chefiada por um capitão e com centenas de PMs recém-formados, para “evitar vícios dos antigos policiais”, segundo o governo. A inauguração da sede é festiva, com a presença do governador.
Até o momento da edição deste artigo, eram 12 o número de UPPs em 35 áreas “pacificadas”, abrangendo cerca de 180 mil moradores, empregando um contingente de novos recrutas da PM carioca, egressos dos concursos mais recentes.
O universo que compreende a presença dessas unidades é pequeno -só a cidade do Rio de Janeiro tem cerca de 1000 favelas, sem contar as milhares no resto do Estado, muitas destas já dominadas por facções criminosas egressas da Capital, ou as dominadas por grupos das chamadas “milícias”, com presença forte na zona oeste da cidade.
Não se pode prescindir de uma discussão aberta e franca sobre o tema. Há evidentes bons resultados sendo destacados, mas há muitos, muitos reparos a fazer.
Houve, neste plano, uma preocupação evidente em se criar um cinturão de “segurança”, em torno da zona sul, grande Tijuca, e Centro do Rio, focando a realização das olimpíadas e da Copa do Mundo, mas mirou-se também o eleitorado de classe média, que tinha dado grande vantagem ao candidato do PV nas eleições municipais, quase derrotando o ungido de Cabral, preterido nessa faixa geográfica do eleitorado carioca.
O resultado eleitoral pretendido, foi certamente alcançado – nas eleições de 2010, já que a UPP foi vendida como um grande “êxito” do Governador Cabral e de seu Secretario de Segurança, fazendo com que o reeleito governador recuperasse votos nessas áreas, derrotando fragorosamente seus oponentes. Foi largamente utilizada como peça de campanha, e adotada como exemplo pela candidata a presidente eleita Dilma Roussef, do PT, que sempre aludiu o item UPP no seu “plano” de segurança publica, e anunciou sua implantação em nível nacional.
Mas, os resultados efetivos, no campo da segurança são claramente discutíveis, apesar do Secretário Beltrame discorrer uma cantilena de elogios e citar a baixa nos índices, embora aumentem, em numero visível, o os furtos, assaltos a transeuntes, furtos e roubos de veículos, e atentados contra comerciantes em toda a cidade, democraticamente, mas em intensidade muito maior na área mais carente da capital e do Grande Rio.
Fica evidente que, em si, as UPPs não são a política de segurança, mas sim uma ação contingencial de segurança que está, até o momento, despida de outros elementos essenciais que não a tem acompanhado, alem das ações assistenciais em comunidades como a do Dona Marta.
O curioso é que, ao invés de ser acompanhadas de um pacote estatal de ações articuladas de educação, trabalho, empregabilidade, e ordenamento urbanístico, vimos, até o momento, apenas ações pontuais relacionadas com a existência das UPPs, denominadas de “UPP social”, com a pretensiosa fórmula de representar a “integração” entre morro e asfalto; Ora, convenhamos, são, obviamente, para reforçar e legitimar a sua presença, mas não são o que as comunidades merecem, que é a sua inclusão no território onde o Estado está verdadeiramente presente e eficaz.
Porque os projetos culturais e os projetos de qualificação somente aparecem vinculados às UPPs (algumas) e não como política de Estado?
Outra questão saliente é a da óbvia migração forçada e calculada do crime organizado.
Os criminosos, certamente, não se converteram, mas se reagruparam, aumentando os bandos armados em alguns outros morros cariocas, como no Alemão, Mangueira, outros, além do grande deslocamento de marginais em direção às regiões da Leopoldina, Zona Norte e no interior do Estado, como em Nova Friburgo, Macaé, Campos dos Goytacazes, Volta Redonda e obviamente, na Baixada e Grande Rio.
A justificativa para tal medida – a de alardear a invasão e permitir a mudança quase pacifica dos bandos de traficantes, era a de evitar confrontos – mas estes acontecem, já que um mês inteiro de tiroteios infindáveis nos morros de Madureira não mereceram a pronta ação policial, impotente com o festival de tiros, e de cabeças rolando na av. Edgar Romero, ou de ver um vigoroso comércio prejudicado – sem contar o festival de arrastões nas principais vias publicas da cidade (no primeiro momento, negados pelo secretario Beltrame, que depois teve de se calar).
Infelizmente, os habitantes da zona norte carioca, da Ilha do Governador, ou outras cidades do Grande Rio e interioranas tem conhecido um verdadeiro calvário e o temor quanto à questão da segurança coletiva e pública, percebido por muitos como um “efeito colateral” da implantação das UPPs.
Há outros motivos para se questionar e discutir a eficácia das UPPs, já que o Estado paga milhares de homens para oferecer um domínio territorial restrito beneficiando poucos, deixando muitos desprovidos do melhor serviço que o Estado possa oferecer nesse campo.
Qual o critério social disto?
Há uma contrariedade em nossa análise, ao ver a censura policial aos lideres comunitários, como se os mesmos não fossem obrigados a conviver com a ausência do Estado, e a presença de bandidos, e a um autoritarismo de regulamentos draconianos aos moradores dessas comunidades – ora, se temos o Estado “retomando” áreas, porque não levar a todos o Estado Democrático de Direito e não o mero desejo incontido de controle social?
Há medo. Desconfiança. De todas as partes, ainda pela lógica da guerra urbana. Queria destacar a bem colocada proposição do sociólogo Luiz Antonio Machado da Silva, do IUPERJ, para o qual nas comunidades carentes, “(..) o medo não é só do crime violento, mas também da polícia,que tem cumprido à risca as demandas por mais repressão e confinamento dos pobres. Se as UPPs conseguirem pelo menos melhorar o controle do crime violento com uma repressão mais comedida, pode abrir-se espaço para um debate político mais democrático, que leve a sociedade a interessar-se pela discussão de uma política de segurança menos fundamentada nas idéias de guerra.”
Por exemplo, as associações de moradores das favelas tem sido discriminadas como ator social relevante; até porque possuem estas muito mais legitimidade do que associações de moradores em bairros de classe media, que são freqüentemente convidadas aos cafés e chás nos batalhões da zona sul, e dos conselhos comunitários de segurança, embora seus lideres sequer sejam eleitos regularmente, como ocorre nas associações de comunidades carentes. Eu mesmo participei de vários pleitos que registraram a participação de centenas ou mesmo milhares de eleitores, como na Pavuna, Costa Barros, Alemão, ou mesmo a Rocinha. Devem ter papel e ser ouvidas pelas autoridades policiais e governamentais, que as tem desprezado sistematicamente.
Há impactos na questão urbanística, e na valorização do entorno urbano, que tem de ser levados em conta, não seguindo uma lógica de excludência social, sob o surrado pretexto da “ordem urbana”, ou de gerar pura e simplesmente uma desenfreada especulação imobiliária nas comunidades e nos bairros adjacentes.
Enfim, as denúncias de abuso policial levam ao questionamento- reiterando-se: por que as comunidades “pacificadas” tem de obedecer a uma espécie de toque de recolher, ou mesmo, deixar ser tuteladas atividades comunitárias ou festivas, ao bel prazer da discricionariedade do comando da UPP local? Não era para se levar às comunidades “pacificadas” o Estado Democrático de Direito? Ou as UPPs no final são apenas Unidades Publicitárias de Policia? Todos nós torcemos pelo êxito destas e esperamos que tenham continuidade, e representem uma etapa em uma nova e democrática política de segurança publica. Que não levem apenas a “pacificação” publicitária, mas que deixem verdadeiramente, a cidadania fluir das favelas cariocas.
* VINICIUS CORDEIRO, é advogado e presidente do PTdoB/RJ