UPP

Apesar de todas as ocupações na execução dos programas de implantação das Unidades de Policia Pacificadora terem sido realizadas de forma pacífica, sem uma significativa resistência dos traficantes e suas milícias organizadas, o ano de 2014 presenciou uma onda de ataques criminosos à diversas áreas com a presença de UPP instaladas. No Complexo da Penha, três policiais militares já foram executados durante confronto com as organizações criminosas; no Morro do Alemão, um PM também foi assassinado. Na Rocinha, Vila Kennedy, Cidade de Deus ou mesmo no São Carlos, Turano e Macacos, vários atentados envolvendo tiros e confronto armado ocorreram. E em Lins de Vasconcelos e Manguinhos, os containers da UPP foram incendiados, registrando-se enfrentamentos que já não são tão raros. São diversos os casos de policiais destas unidades feridos nos confrontos que se acirraram sobretudo neste ano.

 O número de policiais feridos e mortos em 2014 ultrapassou todas as estatísticas referentes a anos anteriores – mas em 2013, o número de feridos já havia subido 13%, o que deveria ter servido de alerta aos executores da política de segurança; boa parte dos policiais vitimados eram novos na corporação, já que o grosso do contingente policial das UPPs são de policiais com pouca ou pouquíssima experiência de campo ou atuação policial; o treinamento dos novos policiais, em média, durou apenas 6 meses. Outra questão interessante é a de que dos 60 PMs mortos durante o ano, apenas 16 pereceram em confrontos. De igual forma, aumentou o número de mortes em autos de resistência, em confronto de bandidos com policiais. A política de UPPs não reverteu, portanto, a lógica de matar e matar, entre policiais e bandidos.

 Neste ano, metade dos policiais PMs mortos em confrontos serviam em áreas de UPP, o que desafiaria a lógica de maior securitização do efetivo ou da população, que novamente sofre com tiroteios, nestas áreas “pacificadas”.

 Ademais, neste período de 6 anos divulgaram-se dezenas de denúncias realizadas contra policiais, que estariam cometendo abusos contra a população civil, como a invasão não autorizada de domicílios, cobranças de pedágios no comércio das comunidades e até casos de tortura e assassinatos. Sobre esse último ponto, ficou famoso o chamado “Caso Amarildo”, em que o pedreiro Amarildo de Souza teria sido sumariamente executado por Policiais Militares, que teriam ocultado o seu corpo.

 Ultimamente, assistimos, com tristeza, o envolvimento de policiais militares destacados em UPPs com atividades criminosas, mas vimos claramente que a corrupção policial e os desvios foram eventualidades pontuais que não guardam correlação direta com o tema, mas com a própria atividade policial.

 Ficou-se a percepção que os problemas relativos à convivência social oscilou dependendo do bom senso dos comandantes de cada UPP, ou mesmo do seu desempenho à frente de cada unidade, o que destoa do que se espera de uma politica publica sem características de excepcionalidade.

 A migração de criminosos foi amplamente negada pelas Autoridades em um primeiro momento, e curiosamente, pelos analistas da imprensa, sobretudo do sistema Globo, mas depois se renderam à realidade dos fatos, pelos quais verificou-se enorme recrudescimento da violência no Grande Rio e áreas interioranas do Estado, como a Região dos lagos e o Sul Fluminense, como alertamos em nosso artigo de 2010.

 Nao houve quem pudesse negar que os dados extraídos do próprio ISP (Instituto de Segurança Pública) deixassem de ter alguma relação com a política de UPPs, como “efeito colateral”, já que somente no período 2013-14, o índice de ocorrências de assaltos a transeuntes aumentou 43,4%; o de assaltos a celulares, outro aumento significativo de 24%; também aumentaram as ocorrências de roubos de veículos (44,4%), o roubo de cargas (69,4%), e até mesmo o roubo em coletivos aumentou no ultimo ano em mais de 14,4%.

 Mais uma vez vitorioso o candidato oficialista, Luiz Fernando Pezão, que sucedeu ao agora impopular Sergio Cabral Filho, teceu loas ao programa, e manteve na Secretaria de Segurança Mariano Beltrame, o resultado eleitoral mostrou um evidente refluxo da votação do governismo, que somente venceu no segundo turno (em 2006 e 2010 tinha vencido apenas com uma volta), tendo sido derrotado pelo opositor, o Senador Marcello Crivella nas maiores cidades do Grande Rio e Baixada Fluminense, e na Região dos lagos, justamente onde houve a percepção e verificou-se o recrudescimento da violência e migração de criminosos oriundos dos complexos favelados cariocas, onde haviam sido implantadas as UPPs, não podendo atribuir-se a derrota do PMDB apenas ao grande número de evangélicos que habita a região metropolitana, ou a Região dos lagos, mas certamente o componente da percepção de insegurança contribuiu bastante para uma inédita derrota do governismo estadual, pelo menos nestas duas regiões do Estado onde certamente o afluxo de criminalidade ocorreu, como uma espécie de efeito colateral, desta vez politico-eleitoral, da política de segurança fundamentada na implantação de UPPs.

 Curioso que no primeiro turno, uma das acusações utilizadas pela mídia governista, ou questionamento a oposicionistas como Anthony Garotinho (PR) era a de que o candidato poderia “acabar com as UPPs”, o que certamente foi desmentido; Na campanha eleitoral de 2014 para o Governo do Estado, todos os candidatos, incluindo-se os oposicionistas protestaram pela continuidade das UPPs, destacando-se porém que o oficialista negou problemas ou a necessidade de se rever o rumo destas, e os oposicionistas enfatizaram a necessidade de “ajustes”.

 Criticou-se, por exemplo, que a ampliação do número de UPPs  – agora 38 – com cerca de 9600 homens lotados – enfraqueceu a eficácia do programa, já que tal medida visaria um efeito eleitoral, e não evitaria a erradicação da presença do tráfico nestas novas unidades, como vimos na Mangueira, no Alemão (implantadas no 2o semestre de 2011) ou na Rocinha, implantada em 2012 .

 Ainda no plano eleitoral, a candidata do PT à presidência ignorou o tema, apenas referindo-se à colaboração que o Governo Federal prestou ao Estado do Rio de Janeiro no setor de segurança, sobretudo em equipamentos e na cessão de efetivo das Forças Armadas, na Maré (que até o presente momento, ainda ocupa a área), e na cessão de equipamentos. Em 2010, Dilma Roussef alardeou que iria aplicar o programa das UPPs em nível federal, e agora, limitou-se a sublinhar a ajuda Federal em homens e equipamentos na Copa do Mundo, e para a execução do plano das UPPs na Maré, que aliás, tinha relação direta com a realização da Copa das Confederações, da Copa do Mundo, e certamente, dos Jogos de 2016.

 Não menos importante, destaco a opinião do sociólogo Ignacio Cano lembra ainda que é necessário implantar UPPs menos violentas, e em todas as favelas do Rio: “as UPPs estão localizadas só em favelas da zona sul, centro e algumas favelas da zona norte. As áreas mais violentas estão de fora.”  Tem virado padrão o pedido das autoridades locais e da sociedade, que se estenda o programa para justamente as áreas mais violentas, no Grande Rio.

 Bem verdade, que registraram-se alguns bons episódios ligados ao esforço de tornar a presença da polícia mais palatável pela comunidade, como no caso das formaturas ou bailes de debutantes patrocinadas pelos comandos das UPPs, e algumas iniciativas de caráter comunitário bem sucedidas.  Porém, não vimos esforço ou programa social para abrigar a mão de obra que o tráfico empregava, para atividades administrativas ou auxiliares. Isso é fato.

 Diferentemente do que alardearam, as UPPs não deixaram as comunidades após 6 anos, mas assistimos a volta do tráfico, de forma evidente, em comunidades da zona sul como o Tabajaras, que assiste inclusive guerra de facções, algo impensável em áreas pretensamente “pacificadas”, fazem com que a desconfiança da liderança comunitária se faça compreensível.

 Há sem dúvida, o consenso de que os erros de gestão no programa, comprometem o seu sucesso e o próprio quadro da política de segurança. Como já afirmamos anteriormente, o programa de implantação de UPPs, com aumento de efetivos policiais somente, não se configura como uma política pública que se baste em si. As autoridades policiais apostaram apenas na continuidade pura da programação. Mas pecaram sobretudo ao não conjugar de forma articulada, a invasão social do Estado, estabelecer uma cultura de convivência e respeito nas comunidades, que passaram, em maior ou menor grau, a viver no controle policialesco limitado ou não, e numa arbitrariedade social que causou danos irreversíveis em alguns casos focais.

 Há enfim, outra apreensão a ser respondida: de que a política pública de segurança não pode apenas ser vinculados aos grandes eventos, já que a permanência, por exemplo, de efetivos do Exército regular no Complexo da Maré se verificam num cenário de proximidade dos Jogos Olimpicos de 2016 na Cidade do Rio de Janeiro.

 O controle social obtido, o controle policial – em tese – nos índices conquistados inicialmente e o sucesso político alcançados mascararam os problemas latentes, os efeitos indesejáveis do programa, e fizeram relaxar a continuidade da repressão que deveria ocorrer, o investimento em inteligência, e a compreensão de que o equilíbrio social não vem somente com ocupação policial, algo óbvio para qualquer estudioso da cena social, mas esquecido incompreensivelmente nestes últimos seis anos.

Vinicius Cordeiro – advogado.

Contatos – viniciusadv@globo.com

 REFERÊNCIAS:

http://www.anf.org.br/discutindo-abertamente-as-upps/#.VGpPbIdXLmx

http://www.anf.org.br/upps-solucao-para-a-seguranca-ou-controle-politico-das-favelas/#.VGpHSYdXLmx

http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/no-rio-upps-batem-recorde-de-pms-feridos-e-mortos

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-07-30/roubo-a-transeuntes-tem-aumento-de-434-no-rio.html

http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2014-06-28/roubo-de-veiculos-dispara-no-rio-de-janeiro.html

http://www.vivafavela.com.br/reportagens/402-upps-x-trafico-quem-controla-as-favelas

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/12/02/numero-de-pms-mortos-em-folga-no-rio-e-o-triplo-de-mortos-em-confronto.htm