A ideia de que o Rio de Janeiro é uma cidade maravilhosa ainda se mantém, porém, a fama negativa vem aumentando. Com facções criminosas em guerra, a disputa territorial afeta diretamente aqueles que habitam esses complexos, atingindo também os entornos.
Um exemplo recente, de conflitos que acontecem desde o começo do ano, envolve as favelas do Campinho, Pombal e Fubá, situadas entre Madureira, Praça Seca, Cascadura e Valqueire, bairros da zona norte e oeste do Rio de Janeiro. A população dessas comunidades, segundo último e desatualizado censo do IBGE, de 2010, é de 19 mil habitantes, constituindo um grande complexo. Ele está localizado entre pessoas de alto poder aquisitivo nas ruas do Valqueire e as escolas de samba de Madureira, como o Império Serrano.
Moradores dessas localidades estão reféns da batalha territorial criminosa, perdendo o direito de ir e vir. Escolas, hospitais e, até mesmo, confraternizações culturais, estão sendo afetadas pelo toque de recolher constante, com ordens de fechamento dos comércios dadas por traficantes e milicianos, de forma direta, como exercício evidente do poder que exercem.
O impacto na educação das favelas
O Colégio Estadual Maria Terezinha de Carvalho, principal escola do território, com ensino do infantil até a fase adulta em todos os horários, sofre com o atual momento de disputa, pois fica de frente para as comunidades.
O relato de Márcia Rodrigues, professora de História, é ao mesmo tempo esclarecedor e triste. “O número de faltas subiu. Alunos faltam por avisos internos, que ocorrem em suas periferias. Quando estão na escola, não conseguem prestar atenção no conteúdo, pois o armamento pesado impede que escutem as explicações, além do medo, é claro”.
Na escola, cerca de 2.500 alunos são atendidos. Uma das alunas, Lorena da Silva Cardoso, de 18 anos, revela que, apesar dos tiroteios, dificilmente a secretaria cancela aulas. “Estamos tendo aula normal”.
Atendimentos de saúde são prejudicados
Outro ponto afetado pela guerra na disputa de territórios são os hospitais. A Clínica da Família Gerson Bergher, preocupada com a segurança da população, repensou seus horários e datas, como informa Izabel Alves Silva em uma mensagem virtual para sua filha, Érica Cardoso.
“Não estou conseguindo ser atendida por causa dessa guerra. Mudam a data das minhas consultas sempre que se aproxima. Agora transferiram a gente para outra unidade, aqui no Valqueire. Até minha doutora pediu para sair. Os médicos ficavam com medo”.
Izabel utiliza constantemente o serviço de saúde da Clínica, que possui doze equipes de saúde da família e quatro de saúde bucal, atendendo de crianças até a terceira idade.
Diminui o espaço para a alegria
O que deveria ser uma marca positiva nas favelas, a diversão, também acaba prejudicada. Nem mesmo os bailes funk e as rodas de samba, que ocorriam todos os fins de semana, conseguem frear a tensão, relata Wagner Monteiro, mobilizador popular, produtor cultural e eleito Rei do Carnaval.
“Vivemos um caos em toda cidade. A guerra cresceu nessa região e impede os nossos tradicionais encontros de baile funk da antiga. Se nem mesmo a cultura do funk consegue vencer, o que podemos fazer para mudar esse cenário?”, pergunta, sem ter resposta, o morador conhecido como Severo CPF.
Onde se sentir seguro?
O pensamento dos habitantes das comunidades atingidas pela violência é simples: mudar de lá. Entretanto, nem isso impede que se sintam inseguros, pois as balas perdidas encontram as paredes das casas, mesmo que elas se encontrem a quatro quilômetros de distância.
Foi o que aconteceu com Adriana Ribeiro, mãe do menino Gustavo: “O tiroteio foi distante. Acredito que no Campinho. Tomei um susto quando vi o buraco na parede. Não me sinto segura em lugar nenhum”, disse a jovem, que possui um imóvel na Praça Seca e não sabe se comemora por ter casa própria.
Disputa territorial
Constantemente, manchetes apontam para a ampliação dessa disputa territorial em complexos do Rio de Janeiro, que se estende até Jacarepaguá, na favela da Cidade de Deus, por exemplo.
Hoje, o número de moradores impactados negativamente nesse território conflituoso é de mais de 140 mil pessoas, fora os problemas sociais causados aos habitantes dos bairros do entorno, que somam doze favelas:
– Campinho
– Pombal
– Fubá
– Chacrinha
– Morro do Banco
– Vila Sapê
– Vila da Paz
– Tijuquinha
– Muzema
– Gardênia Azul
– Cidade de Deus
– Rio das Pedras
Elas vivem em intenso confronto desde o início de 2023.
“Ninguém quer entrar na favela debaixo de bala”
Michel Silva das Virgens, morador de uma das comunidades atacadas, professor e músico, possui um estúdio, mas não sabe como fazer para trabalhar. “Sempre toquei em Madureira, Praça Seca e Jacarepaguá. Agora, me desloco para outros locais para me apresentar, pois o número de eventos caiu muito”.
Com isso, sua vida financeira foi inevitavelmente prejudicada. “Não há dúvida de que minha receita mensal vem sendo amplamente comprometida. Não somente pelo fato do número de show terem diminuído, mas pela falta de alunos e gravações em meu estúdio. Ninguém quer entrar na favela debaixo de bala”.
Com família em Jacarepaguá, Michel Silva relata a dificuldade em se deslocar para rever seus parentes. “Meu irmão mora próximo do centro de Jacarepaguá. Perto da Cidade de Deus. É complicado atravessar esse trajeto. Meu aniversário esse ano contou com poucos amigos, por conta do percurso que teriam que realizar”.
Sobre a disputa entre traficantes e milicianos, ele torce para que haja uma “intervenção legítima do Estado. Não pode ser paliativa. Precisamos de paz para trabalhar, viver e cuidar dos nossos filhos. Aqui não é um local ruim, mas está complicado acreditar que teremos dias melhores. Só queremos nossa liberdade novamente”.
Joaquim Azevedo
Esta matéria foi produzida com apoio do Edital Google News Initiative.
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