Quando se é menino na favela uma das primeiras coisas que você aprende é cortar o cabelo com enorme frequência. Pelo menos quinzenalmente é o ideal para estar na “régua” e na moda. Afinal, a gente aprende cedo que “cabelo ruim tem que cortar”. E como nossa colonização europeia e branca criou o estigma racista de que cabelo crespo é cabelo ruim, os negros, dentro do processo de sabotagem histórico que sofreram, naturalizaram essa opressão, e nosso cabelo “ruim”, e não crespo, não era bem visto, nem mesmo por nós.
Por muitas vezes, quando moleque, quis “deixar o cabelo crescer”. Porém, como naturalizamos e digerimos todo esse preconceito com nossas características estéticas, eu mesmo tinha dificuldade de enxergar o meu cabelo “sem cortar por três semanas” como algo “aceitável” ou minimamente bonito. Naturalizei o racismo dentro de mim e isso refletia sempre que me olhava no espelho com um cabelo “fora do padrão”.
Esta semana fiz uma escolha. Quero saber como eu fico com o cabelo maior, maior do que o máximo que uma “máquina 4” me mostrou até hoje, sem cortar por no mínimo dois, três ou quatro meses. É isso que irei fazer. Seguir em um processo longo e árduo. Enxergar-se e impor-se como negro descendente de africanos escravizados pelo homem branco, não cortar o cabelo crespo é um ato político.
Quando falamos da importância de debater racismo, machismo, feminismo, liberdades individuais, opressões estruturais e empoderamento, desejamos alcançar o poder em que cada um faça sua escolhas, sem ser moldado por estereótipos criados pelo homem branco e para o homem branco – sobretudo europeu. E quando falo homem, me refiro ao gênero sexual mesmo. Pois a figura masculina ditou a ordem social até mesmo impondo práticas e padrões às mulheres – que acredito que todos saibam, mas nunca é demais reforçar.
Eu desejo que os neguinhos como eu, da favela ou do asfalto, não tenham mais que esperar chegar aos 29 anos para ter coragem de decidir não cortar o cabelo e descobrir como é viver além da máquina passada no cabelo crespo quinzenalmente.
Hoje, o “corte do Jaca” é conhecido em toda a cidade, tendo sido até tema de documentário. No entanto, buscamos um cenário em que entre o “corte do Jaca” e o “Black” a distância seja apenas uma escolha livre do racismo.