*Caio Ferraz

 

Eu não moro em Realengo, mas confesso sou brasileiro, sou ser humano e nesse momento estou ferido mortalmente. Nessa hora de tantas mortes de jovens inocentes, não se pode só ficar de luto. Você tem é que ficar puto. Puto com essa gente complacente que finge que um jovem calado e estranho é alguém antissocial. Puto com quem vende armas e munições. Puto com quem faz bullying de criança na escola, como certamente foi o caso de Wallace. Puto com essa corja de lacaios chamados de politícos, que não têm coragem de aprovar o banimento de armas e munições no Brasil. Faça como fizemos em Agosto de 1993, quando, na favela de Vigário Geral, 21 trabalhadores foram assassinados por policias. Fique de luto, fique puto, mas vá a luta. Lute por seus direitos. Lute para que no Brasil todos sejam tratados de fato iguais perante a lei, como apregoa nossa Constituição. Aproveitem para transformarem cada bairro existente nesse imenso Brasil como o melhor lugar para se viver. Sem luta nao há vitória.

 

Não podemos simplesmente dizer que o jovem de 23 anos que entrou numa Escola pública do Rio era psicopata, doente mental, desequilibrado ou serial killer. Na verdade, jamais poderemos entender perfeitamente o que se passava na mente de Wallace de Oliveira. Ele mesmo não compreendeu que a vida deveria ser vivida e compartilhada em todos os seus percalços. Sua aflição perpassava ao lugar comum de jovem de poucos amigos, porque ele estava espiritualmente desesperado.

 

Quem comete um ato de tamanha insanidade se encontra numa fronteira abissal. Esse tipo de pessoa não dimensiona ou superdimesiona a “fama” que terá com seu ato extremo. Nem tampouco podemos classificá-lo como um covarde e calculista. Ele se encontrava num abismo existêncial que o distanciava, paradoxalmente, de Deus, por isso que tudo a sua volta não fazia mais sentido. E para ele a vingança seria atingir aqueles que um dia o humilharam, aqueles que o achincalharam.

 

Se ele premeditou ou se ele teve treimanento para agir como agiu, nao faz mais sentido agora. O que importa nesse momento é que precisamos rever que tipo de sociedade queremos para nossos filhos e netos. Não podemos ser hipócritas ao ponto de não admitirmos que todos nós falhamos. Falhou a sociedade que fecha os olhos para essa indústria de armamentos, falhou o governo que não fiscaliza nada, falhou a imprensa que não denuncia e investiga a origem de armas e drogas. E falhou, sobretudo, a educação que não acompanha a era da velocidade da informação.

 

E se um dia conseguirmos nos distanciar dessa tragédia, poderíamos pelo menos reler o escritor e poeta que empresta o nome a Escola onde tudo ocorreu.

 

“Há uma saudade da vida
porém tão perdida e vaga,
e há a espera, a infinita espera,
a espera quase presença
da mão de puro mistério
que tomará minha mão
e me levará sonhando
para além deste silêncio,
para além desta aflição.”

 

(Poema Fronteira de Tasso da Silveira, extraído do livro Regresso à Origem, 1960)

 

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* Sociólogo, poeta, administrador de empresa, nascido e criado na Favela de Vigário Geral, fundador da Casa da Paz de Vigário Geral, recebedor de 4 prêmios de Direitos Humanos e primeiro exilado político da era democrática brasileira.
contato: caioferraz@comcast.net