A morte precoce, infelizmente, faz parte de nossa história – digo da população preta, pois sempre acontece uma perda familiar relacionada às violências produzidas por essa sociedade do mundo das mercadorias, onde a vida negra possui pouco ou quase nenhum valor. Nos últimos dias, tenho tido dificuldades em não lembrar de algumas delas. Algumas nos tocam como se fosse o risco de nossa própria morte – me refiro às fatalidades ocorridas por negligência, que tem tirado muitas vidas nos trilhos da Supervia.
São muitos casos, mas vou destacar dois: um deles foi o de Joana Bonifácio, ocorrido em abril deste ano. Joana morava em São João do Meriti. Jovem, negra, estava se dirigindo ao Centro Universitário Estadual da Zona Oeste (UEZO) – o que lhe enchia de felicidade, pois havia passado no curso de Biologia. O sonho foi interrompido pelas péssimas condições dos serviços da Supervia, e, aos 19 anos, Joana perdeu sua vida e deixou todxs aquelxs que a conheciam com um imenso vazio no peito.
Outra morte parecida ocorrera na sexta-feira, 29 de setembro. Dessa vez, a vítima fora Bruno Alves dos Santos, primeiro distribuidor do Jornal A Voz da Favela. Bruno era outro jovem negro, estudante de História, e estava saindo da ocupação que reivindica melhorias na UERJ. Ironicamente, lutava por melhores condições de vida, inclusive no meio universitário, mas também teve os seus sonhos interrompidos. Agora, todxs deixamos de conviver com essas duas vidas.
Cerca de 30 dias após da morte de Joana, foi realizado um ato na estação de trem de Coelho da Rocha. Ali se encontravam parentes e amigos que mostravam sua indignação frente a tanto descaso com a vida de quem utiliza esse meio de transporte. O ato foi permeado de emoções, sentimentos de raiva e de protesto contra as péssimas condições dos trens. Alguns dos participantes faziam depoimentos de perdas de familiares, de ocorridos não fatais, dos largos intervalos, enfim, do que acomete o cotidiano de cada usuário.
Ao fim do ato, por ser o meio de transporte mais rápido e acessível, eu e uma companheira pegamos o trem de Coelho da Rocha no sentido Central do Brasil. Mais um descaso colocava nossas vidas em risco, pois o vagão em que estávamos veio com uma das portas abertas, que estava quebrada. Agora imaginemos nós o quão isso é arriscado. Qualquer solavanco poderia jogar alguém para fora e mais uma vida ali iria embora.
Toda vez que pego o metrô, fico me indagando porque são tão seguros, cheios de equipamentos e com intervalo curtos – ainda que não seja suficiente na hora rush – e ninguém tem suas vidas tiradas por um pé que ficou enroscado ou porque metade do corpo ficou para fora, por exemplo. Isso que deixa evidente que o cuidado com as vidas estão somente da Central para a Zona Sul. Ali, todos terão todo o cuidado do mundo, com tecnologia de ponta e tudo mais, enquanto que os ramais de trens para a Baixada (principalmente) possuem os maquinários mais antigos e que quase semanalmente produzem mortes ou ferimentos não fatais.
Sim, a cada dia que passa, tenho entendido mais e mais o que é essa tal da violência institucional que meus irmãos e irmãs pretos e pretas vem debatendo e que a branquitude vem sempre dizendo que é mimimi. Dizem que é vitimismo porque a morte não ronda as suas vidas todos os dias, fruto do descaso de diversas instituições. Dizem isso porque não são as vidas de seus filhos e amigos que se vão diariamente, como se fosse natural a gente morrer lavando de sangue os trilhos da Supervia.
Lutaremos por dias melhores, o que, aliás, sempre fizemos. Joana e Bruno, presentes!