Todo dia, quando acordo, escolho fazer um dia diferente, mas nem sempre obtenho o sucesso que esperava. Meu corpo não libera a endorfina que eu imaginara produzir, mas continuo acordando e decidindo fazer um dia que valha a pena, quase como um mantra em que eu preciso acreditar.
Ligo o celular e procuro a playlist de música que me anima, acompanhada de uma garrafa de vinho barato pra relaxar.
Me recomponho, mas ainda em estado tão letárgico que mal consigo ter percepção dos meus próprios movimentos, afinal o reflexo da semana passada ainda pesa sobre minhas costas. Preparo o cronograma do final de semana como forma de me concentrar, que ainda há muito que ser aproveitado.
No caos cotidiano, me percebo buscando caminhos de como parar esse extermínio em doses homeopáticas, de quem vive em um país onde o sistema e as leis não foram feitas para a classe que faz verdadeiro milagre em 8 horas diárias de trabalho e 4 horas de condução – que mais nos lembram os navios negreiros, carregando, hoje, não apenas negros, mas nordestinos, imigrantes, mulheres, idosos e adolescentes sem muita perspectiva de futuro.
A gente segue, criando malabarismo no orçamento do feriado, onde a única coisa que não queríamos era ficar em frente à TV, assistindo conteúdo alienado. Mas fazer o quê? Qual a saída? Final de semana não tem condução para ir ao teatro – aliás, não teria grana para entrar.
O cinema não cabe no orçamento, a roupa nova não cabe no orçamento e, como disse o poeta Ferreira Gullar, “O preço do feijão não cabe no poema”. Nos resta o samba no barzinho da esquina, regado à cerveja gelada.
– Pendura aí no boteco que depois damos um jeito.
– O karaokê do beco já tá lotado. Espera que hoje é dia de Legião Urbana até o dia amanhecer e a dona Tereza nos expulsar.
E que se fodam os anúncios que tentam me vender as melhores roupas, as melhores viagens e os pratos mais caros, como forma de felicidade. Daqui do outro lado, a gente troca de roupa com a amiga, fila a boia na casa da vizinha e ainda leva na bagagem as risadas de um final de semana que vai ser o combustível pra continuar a jornada de 8 horas diárias de trabalho.
Chego em casa e depois de várias tentativas de acertar o buraco da fechadura, olho para a menor, enrolada no edredom macio e me questiono: Será que ela vai ser melhor que eu ou vai enfrentar “as fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela” ?.
Tomo um banho gelado, me aconchego nos lençóis e fecho os olhos para celebrar mais um dia em busca de novas formas de viver e ver de perto o resultado de toda essa jornada.
Amanhã é um outro dia para receber pequenas doses de esperança, de quem dança, encanta e enfrenta de cara com a mesma sutileza e braveza de alguém que não concorda com o atual cenário.
A gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão e arte. Quer manter viva a sensação de olhar de perto o desfile contínuo das pessoas que usaram suas fantasias durante alguns dias longe do que é apenas obrigatório. Bater o ponto, mesmo com salário atrasado, não era nem para estar no cardápio. Prefiro seguir levando paralelamente com a luta, a esperança de que a gente merece muito mais do que nos é apresentado.