Dossiê- Manifesto
de Avaliação-Propositiva
11 Meses do PAC-Manguinhos
Pelo Respeito ao Princípio da Gestão Democrática
do Estatuto da Cidade
LEI N° 10.257, de 10/07/2001
Fórum Social de Manguinhos
3 de Fevereiro de 2009
Manifesto do Fórum Social de Manguinhos pela Garantia de Direitos Humanos em Avaliação aos primeiros 11 meses do PAC-Manguinhos
No dia 7 de março de 2008, o Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva veio a Manguinhos, em um Ato inédito, inaugurar os investimentos do Ministério das Cidades, para a integração do bairro à cidade do Rio de Janeiro: o PAC-Manguinhos! Hoje, a quase um ano deste Ato memorável, Vossa Excelência volta a Manguinhos, quando temos a oportunidade de vos relatar o que nos vem decorrendo desde então. Esperamos que vosso espírito democrático e republicano seja determinante para a superação da situação aqui manifesta.
O Fórum do Movimento Social de Manguinhos manifesta, neste Dossiê de Avaliação do PAC-Manguinhos, contra o desrespeito à cidadania da população das comunidades de Manguinhos na territorialização dos investimentos públicos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a ineficácia destes para o atingimento, com sustentabilidade, das Metas do Milênio das Nações Unidas correlacionadas direta e indiretamente. A luta pelo Direito à Cidade, à Moradia Digna com Saneamento Básico, Meio Ambiente Saudável e Infra-estrutura social pra todos é histórica no Brasil, instituinte do Estatuto da Cidade, mas também dos sistemas sociais de direitos, de participação direta. A identidade de Manguinhos está relacionada com a memória das enchentes, da luta pela moradia, pelo respeito, pela afirmação de suas identidades étnicas, pela preservação da vida com garantia de direitos. Transpassada pela trajetória de Oswaldo Cruz, mas também do movimento sanitarista! Não considerar a emergência destas prioridades (Saneamento e Habitação para todos!), para as quais existe consenso técnico, político e social; é não só um desrespeito à subjetividade cidadã de Manguinhos; mas também um grave erro de economia-política, de engenharia de produção e de gestão pública e privada, cujas conseqüências serão: 1. a manutenção das condições estruturais de reprodução da pobreza, da miséria e da violência; 2. a elevação dos custos de manutenção das redes de saneamento e infra-estrutura social, sem cobertura orçamentária, e a conseqüente precarização destas; 3. a reprodução de condições de irregularidade (‘subnormalidade’), marginalização e desumanização; 4. a manutenção das condições de mercado propícias à especulação imobiliária; 5. a manutenção do processo de desintegração das cidades.
O movimento social de Manguinhos tem expressado estas entre outras incertezas, experiências, críticas e propostas, de forma colaborativa, desde 2006. Contribuindo com a emergência do PAC-Manguinhos, mas também para efetividade, eficácia e sustentabilidade dos investimentos públicos. Mas não temos sido considerados/respeitados na forma da Lei, do princípio da Gestão Democrática, instituído na ordem constitucional brasileira, nem quanto aos princípios elementares de direitos humanos, quanto à prioridade no acesso e exercício dos direitos coletivos de grupos sociais historicamente minorizados e vulnerabilizados. A permanência deste tipo de relação desigual, entre os atores sócio-comunitários de Manguinhos e o poder público oficial, com a mediação (como representação pública – do ‘Trabalho Social’) de agentes privados, diretamente interessados nos resultados do processo (‘redução de custos’), contratados, sem legitimação social, pelo Consórcio de empreiteiras responsável pelas intervenções de engenharia, sem um mínimo de articulação e integração intersetorial e intergovernamental, para a promoção e gestão compartilhada das políticas públicas inscritas no PAC-Manguinhos, nos levará, invariavelmente, à depreciação acelerada dos investimentos.
Quase um ano após a inauguração do PAC-Manguinhos, o desrespeito dos governos ao princípio da Gestão Democrática do Estatuto da Cidade (LEI N° 10.257, de 10/07/2001) tem trazido graves riscos e danos incomensuráveis à Saúde e à Dignidade da população de Manguinhos! Milhares de famílias, ao longo da história recente (industrial-neoliberal-capitalista) da cidade, têm sido vítimas do agravamento das situações de alto risco sócio-ambiental e acidentes graves continuados (incêndios, enchentes, epidemias, da indústria da miséria e suas violências), historicamente construídas por um sistema sócio-econômico expropriatório. Situação que se agravou com as chuvas deste verão (2008/2009), como já vínhamos antevendo e avisando desde 2006. Entre outras tragédias cotidianas que nos assolaram desde então…
As lutas das comunidades de Manguinhos, como movimento sanitarista, inclusive, pelo saneamento básico pra todos, pelo direito à moradia digna, à habitação saudável, são históricas, reiteradas, enchente após enchente. A cada nova vida perdida! Pelos rios, poluídos (por lixo industrial e doméstico), onde nossas crianças insistem em brincar. Esta bandeira foi novamente erguida diante do Ministério das Cidades, em debate sobre o Diagnóstico Sócio-Ambiental da região na Fundação Oswaldo Cruz, em dezembro de 2006. Diante desta necessidade emergente, o Ministério das Cidades incluiu Manguinhos entre os beneficiários dos recursos das secretarias de Saneamento e Habitação da pasta, no planejamento 2008-2010, inclusive em cumprimento às Metas do Milênio das Nações Unidas!
Em março de 2007 viria o anúncio do PAC-Manguinhos! O projeto anunciado, no entanto, reuniu as preocupações do movimento social das comunidades do bairro, de forma garantista, novamente, em torno destas bandeiras, que deveriam ser contempladas pelo PAC prioritariamente: Saneamento Básico, Habitação Saudável e Infra-estrutura social-cidadã para todos os habitantes de Manguinhos! Em março de 2008, o Presidente da República reforçou a importância da sociedade civil organizada, nomeadamente do Fórum Social de Manguinhos, para a gestão social compartilhada da territorialização dos investimentos.
Antes, no entanto, em meados de 2007, em manifesto à sociedade, o movimento social de Manguinhos repudiou a manipulação dos movimentos de comunidades de favelas para a reiteração, no Estado do Rio de Janeiro, do ‘modelo colombiano’ de urbanização de favelas para a pacificação (‘civilização’) forçada (‘a paz sem voz’) de conflitos sociais, que gerou, na Colômbia, um dos mais vergonhosos genocídios da história da humanidade, em um contexto ditatorial, d’estado d’exceção. Neste Manifesto também reforçamos as nossas reivindicações pela gestão democrática, compartilhada, da territorialização das políticas públicas inscritas no PAC-Manguinhos, e pelo respeito aos sujeitos históricos dos direitos em questão e ao princípio da prioridade para os grupos sociais historicamente minorizados e vulnerabilizados na realização dos direitos coletivos, fundamentais, das famílias que moram em área de risco. São famílias que subexistem em situação precária há mais de uma década, muitas vezes, e muitos fingem não ver esta realidade, provocada pela ação equivocada (remoções, das áreas mais nobres da cidade, e uso da política da ‘indenização’, fomentando a especulação imobiliária) e pela omissão histórica do Estado brasileiro.
Desde o início do processo de definição dos projetos de arquitetura e engenharia, o movimento social de Manguinhos já apontava a defasagem entre a quantidade de novas habitações previstas no projeto original, cerca de 300, e a necessidade gerada pelo próprio projeto. E que este déficit habitacional somado ao já emergencial pré-existente no local, devido à ausência de uma política pública de habitação de baixa renda e de reconhecimento da cidadania destes brasileiros, seria um incentivo à reprodução de situações de irregularidade (‘subnormalidade’), desintegração destes segmentos sociais minorizados da cidade e à reprodução da violência estrutural. A elevação substancial do número de novas moradias, para 1944, conforme o último balanço do PAC feito pela Casa Civil do Governo Federal, é uma conquista da sociedade! Mas ainda não temos garantia de que é o suficiente. Nem se trata só de qualidade mas de constituição dos projetos e do futuro destas famílias…
Mas, o movimento social também vem, continuamente, apontando para a necessidade da promoção de ações preventivas emergenciais, quanto ao risco das ‘enchentes de verão’. Mais uma vez não fomos ouvidos, mais de uma dezena de famílias perderam suas moradias e pertences, às margens do Canal do Cunha, nas comunidades de Nelson Mandela e Mandela de Pedra, entre outras centenas que correm graves riscos de vida e a ameaça de serem removidas para áreas de ‘reassentamento’ distantes e hostis (ao arrepio da Lei), ou de terem que aceitar ‘indenizações’ que não garantem o seu direito à moradia digna. Pois, um ano após o início das obras, não existe nenhuma nova unidade habitacional construída e entregue aos moradores. Dezenas de famílias já foram desalojadas, e vivem da incerteza do ‘aluguel social’. Outras podem estar vagando, o dinheiro acabando, no rumo da ‘informalidade’ e da marginalização social… Outras denunciam formas veladas de coerção e violência contra o direito à moradia pelo Estado (EMOP) e pela Prefeitura (na última gestão).
Ainda não foram apresentados os resultados do Censo de Manguinhos, os projetos ainda são especulativos, mas os tratores já estão em nossas portas, famílias já foram desalojadas, e as máquinas já estão cortando a Leopoldo Bulhões. A Prefeitura está mais atrasada, ainda nem comunicou à sociedade e às comunidades em que o Censo deverá atuar, mas já está negociando o desalojamento das famílias, provocando a primeira ação civil-judicial contra as obras do PAC, na Vila Turismo, contra o desalojamento de um trailer, na Rua Capitão Bragança. A tônica do processo é, segundo os técnicos e gestores envolvidos, ‘estamos trocando as rodas com o carro andando’… O Estado e a Prefeitura prevêem um grande número de ‘indenizações’, cujo valor, reeditado pelo Estado em JAN/2008, em referência estrita à política praticada pela prefeitura na última gestão, apesar de seduzir (como o canto da sereia) pessoas de baixa renda, não garante o direito à moradia digna destas pessoas, incentivando a reprodução de formas irregulares de ocupação do solo urbano para fins de moradia, mas também a especulação imobiliária. O movimento social de Manguinhos entende que apenas opções dignas de reassentamento, acordadas coletivamente com as comunidades, devem ser consideradas para todas as famílias afetadas.
Somente uma concepção que desvaloriza o nosso povo justifica a exclusão das organizações sociais de Manguinhos dos processos de gestão e execução de políticas públicas, seja de um trabalho chamado social, mas também do Planejamento e Execução das ações nos diversos setores: Saúde, Educação, Cultura, Habitação, Saneamento, do PRONASCI, etc. É esta mesma política que não compreende a importância de reforçar o capital social local para a sustentabilidade dos investimentos do PAC-Manguinhos. Essa concepção pejorativa de povo vem agenciando os investimentos do PAC-Manguinhos em desacordo com as prioridades das comunidades populares de Manguinhos. Queremos deixar claro que nós, os moradores de Manguinhos, queremos protagonismo na gestão dos equipamentos construídos pelo PAC-Manguinhos, segundo os parâmetros de participação social e Gestão Democrática da Cidade garantidos pela LEI N° 10.257, de 10/07/2001. Discurso proferido pela Secretária Executiva, Patrícia Evangelista, do FSManguinhos na abertura do Fórum da Cidadania, RJ, 2008. Caixa Econômica Federal / Ibase.
Neste sentido, entendemos que a implementação do PAC-Manguinhos tem desrespeitado, destacadamente, o Estatuto da Cidade, no que tange a “gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”, prevista no inciso II do Art.2°.
Além disto, os projetos em andamento não contemplam a situação crítica de falta ou precariedade do sistema de saneamento básico, mas também de risco habitacional, em que se encontram as comunidades Parque Carlos Chagas (não à toa conhecida como Varginha, situada em área de baixada, entre os rios Faria-Timbó e Jacaré…) e as famílias que moram nas imediações das adutoras da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), na comunidade CHP2 (a sigla vem de ‘Conjunto Habitacional Provisório 2’, promovido pela Prefeitura e tornado permanente pela omissão desta). Destas centenas de famílias, duas dezenas foram expulsas de suas moradias sob a ameaça de três ‘Caveirões’ (veículo blindado de uso militar da PM), coagidas a aceitar uma ‘indenização’ pela Cedae. Existem vidas humanas também em risco em uma edificação, já condenada pela Defesa Civil, na comunidade de Vila São Pedro. Entre outras situações de omissão, histórica, do Estado quanto à realização dos direitos sociais destas populações.
No dia 4 de agosto de 2007, o vice-governador do Estado esteve na Quadra da Escola de Samba Unidos de Manguinhos onde prometeu, diante de milhares de concidadãos, a implantação imediata de um Conselho de Acompanhamento do PAC-Manguinhos. Foi formado então, no 2º semestre deste ano, um Conselho informal com a atribuição de debater e formalizar a constituição deste órgão de participação social e gestão compartilhada. O Fórum Social de Manguinhos, conforme foi solicitado pelo Estado, encaminhou, no início de janeiro de 2008, uma proposta de regimento para a constituição deste Conselho, foram feitos pequenos acertos consensuados então com todos os participantes. A proposta foi bem aceita inclusive pelos representantes do governo do Estado neste Conselho informal, então coordenado pelo Subsecretário de Obras Vicente Loureiro. Somente seis meses após esta proposição da sociedade, a Casa Civil do Governo do Estado rejeitou-a e não apresentou qualquer texto-alternativo ou encaminhamento. Fechando inclusive os canais de diálogo informais em vias de instituição. Inviabilizando, assim, a realização dos princípios constitucionais da responsabilidade civil, da participação direta e da gestão democrática da cidade! Este desrespeito à cidadania de Manguinhos vem sendo a causa original dos impactos negativos, mas também da falta de efetividade e ineficácia de investimentos para a ampliação da cidadania.
Este tipo de tratamento tem sido reproduzido também pelo Consórcio Manguinhos, liderado pelas empresas Andrade Gutierrez, EIT e Camter, mas também, por conseguinte, pela EMOP, responsável pública pelas obras. Que não têm dado a devida consideração às questões levantadas pelas lideranças comunitárias, nem à população residente. E tem descumprido acordos feitos entre o governo do Estado e a sociedade para o desenvolvimento local. Algumas vezes, este desrespeito chega a reproduzir uma lógica discriminatória, devido ao desconhecimento expressamente alegado pela empresa, dos compromissos políticos do Estado, do protagonismo sócio-comunitário e das condições históricas de vulnerabilidade das comunidades de Manguinhos. A contratação de trabalhadores moradores de Manguinhos, em acordo com o conjunto das associações de moradores do bairro com o governo estadual (Segov-Setrab), não vêm sendo priorizada, não existe qualquer zelo, senão a pressão social, pela transparência e comunicação dos processos de contratação e dispensa de mão-de-obra, contradizendo também as promessas de Vossas Excelências, o Presidente da República e do Governador do Estado, quanto ao percentual mínimo de trabalhadores, também para a fixação da renda/investimento, de Manguinhos. O atraso no início do ‘Trabalho Social’ também ofereceu a oportunidade até hoje mantida para que tal tratamento discriminatório fosse acentuado pela ‘fabricação’ de ‘representações artificiais’ destinadas a ‘pacificar’ os anseios sócio-comunitários. O ‘Trabalho Social’ também não conseguiu promover a participação social efetiva dos cidadãos de Manguinhos nos processos de gestão de políticas para o desenvolvimento social local. A ‘mediação’ promovida pelo ‘Trabalho Social’ também contradiz o princípio constitucional da participação direta. Inserindo, como ‘mediador’ das relações entre sociedade e Estado, um agente com interesses privados que não detém as mesmas garantias que os agentes públicos têm no zelo do interesse social. O Estado, através da Emop, e o Consórcio Manguinhos, não conseguiram, um ano após o anúncio dos investimentos, apresentar às comunidades diretamente atingidas, nem os projetos executivos, nem o Plano de Reassentamento, nem o cronograma das obras, inviabilizando qualquer possibilidade de gestão, acompanhamento e fiscalização externa ao arranjo institucional público-privado. A avaliação do movimento social local, feita para a equipe do ‘Trabalho Social’, em reunião no Centro Comunitário de Defesa da Cidadania, na comunidade Pqe Carlos Chagas, 22 de dezembro de 2008, foi a de que o ‘Trabalho Social’ é deficitário, pois causou impacto negativo no tecido social local, por déficit de informação detalhada sobre o processo, mas também por ‘contratar’ ‘lideranças’ sem reconhecer suas institucionalidades nem o seu protagonismo nos processos de gestão das informações, projetos e políticas públicas, como forma de alienação/expropriação de capital social, desterritorialização… Tampouco conseguiu oferecer, de forma adequada, qualificação aos trabalhadores de Manguinhos para atender às demandas por profissionais nas obras e nos demais postos de trabalho gerados pelos investimentos. O ‘Trabalho Social’ do PAC-Manguinhos também se omitiu quanto à reinvindicação, do movimento social local, pela gestão compartilhada do ‘Trabalho Social’, feita neste dia 22DEZ2008.
Além da reconhecida falta de coordenação entre o Estado e a Prefeitura, da qual o Conselho Intersetorial de Acompanhamento do PAC-Manguinhos, conforme a proposta do Fórum Social de Manguinhos, seria um catalisador, soma-se a falta de integração entre os diversos setores envolvidos, e destes com a sociedade e com os sujeitos dos direitos inscritos no PAC-Manguinhos. A ação d’Estado não corresponde a qualquer diagnóstico ou planejamento socialmente legitimado (o PDU contratado pela Prefeitura não foi concluído, nem legitimado, nem instituído, nem tornado público), nem as demandas emergenciais por direitos fundamentais das comunidades de Manguinhos nem às referências existentes na literatura técnica e em fontes públicas, trazendo distorções graves que poderão implicar na ineficácia dos investimentos.
No caso da política de educação inscrita no PAC-Manguinhos, por exemplo, o movimento social tem denunciado que os investimentos não contribuirão para resolver os principais problemas desta área no bairro: o restrito número de vagas para o segundo segmento do ensino fundamental e educação infantil (creches), em quantidade mas também em qualidade, nas proximidades. Além disto, o distanciamento do gestor público em relação aos sujeitos de direitos tende a reproduzir um projeto pedagógico monolítico e excludente, que está na raiz dos altos índices de evasão escolar! Como em uma espécie de paradigma econômico-político perverso, esta situação evidenciada na Educação se reproduz, com uma ou outra variação, nos demais setores d’Estado e governos. Nem mesmo as dúvidas e incertezas elementares das representações sócio-comunitárias de Manguinhos são ouvidas e/ou respondidas, e o bate-estaca permanece intermitentemente azucrinando… De forma que também permanece o temor, inclusive diante da inexistência de um laudo técnico correlativo, apresentado à sociedade, quanto à segurança da comunidade escolar, diante dos riscos que o trânsito intenso na região e da falta de proteção efetiva contra possíveis acidentes, que possam nos trazer mais tragédias, na curva de descida do viaduto de Benfica, pela Av. Dom Hélder Câmara (antiga Suburbana), justamente onde se inaugura a primeira obra do PAC-Manguinhos, neste dia 3 de fevereiro de 2009, a Escola Estadual de Ensino Médio de Referência. Também sobram dúvidas quanto às possibilidades concretas dos jovens moradores de Manguinhos ingressarem nesta Escola de Referência e incertezas quanto ao futuro de nossos filhos diante dos enormes déficits existentes de vagas nas creches, no 2º segmento do ensino fundamental, principalmente, e diante do sucateamento das escolas públicas da região, como eles chegarão à Luiz Carlos da Vila e às universidades?
Esta relação, que desconsidera nossas perspectivas de solidariedade, resistência e sociabilidade, leva a um processo autoritário de anomização de nossas identidades político-comunitárias! Que também vem sendo evidenciado na relação do Ministério da Justiça e das Secretarias Estaduais de Cultura e de Assistência Social e Direitos Humanos no processo de ‘implementação’ do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), desconsiderando a participação dos sujeitos dos direitos nos processos de construção, especificação (territorialização) e gestão da política pública.
Deste panorama geral, sintetizamos a seguir, questões emergenciais e propostas que possam contribuir com a recuperação das condições de possibilidade de efetividade dos investimentos do PAC-Manguinhos.
- Quanto à Participação Social
1.1 – Instituição do Conselho Intersetorial de Acompanhamento do PAC-Manguinhos, com fomento à participação das comunidades historicamente minorizadas e vulnerabilizadas;
- Quanto ao Saneamento Básico
2.1 – Ampliação da rede de sanemanto básico para todas as comunidades, todas famílias e moradores de Manguinhos, incluindo prioritariamente a comunidade de Parque Carlos Chagas, que habita em área de várzea, sujeita a inundações;
2.2 – Criação do Sub-comitê e de um Programa de Controle das Enchentes e de Redução da Poluição desta Sub-bacia hidrográfica dos Rios Faria, Timbó, Jacaré, Canal do Cunha, Canal do Fundão e Ilhas da Baía de Guanabara;
2.3 – Fomentar a criação de redes solidárias, associativas, ligadas as cadeias de produção da indústria de saneamento e da transformação, e ao desenvolvimento de capacidades técnico-científicas e tecnológicas nestes setores;
- Quanto ao Direito à Habitação
3.1 – Apresentação, revisão e tratamento compartilhado das Metas e Cronogramas de Obras, das Políticas de Habitação e dos Planos de Reassentamento;
3.2 – Respeito pleno à opção e sua aplicabilidade, conforme acordado, dos moradores nas ações de reassentamento, nos termos da Constituição Federal.
3.3 – Revisão da Política Habitacional do Estado, do Município e do PAC-Manguinhos, tendo por base, não o valor de mercado das benfeitorias, mas o valor necessário para garantir o direito à habitação saudável das famílias;
3.4 – Garantia do Respeito Pleno aos princípios do Direito à Moradia;
3.5 – A política de compra assistida com reassentamento (regularização fundiária) deve ser priorizada, como política pública. Esta deve ser, para nós, a única opção, expressa pelo Estado, à realocação nas novas unidades habitacionais ‘em construção’. A indenização é opção cujo interesse deve ser manifesto pelo sujeito do direito e não pelo Estado, pois não se trata de política social.
- Quanto ao Trabalho Social e à Relação com os Consórcios Privados
4.1 – Compartilhamento (democratização) da Gestão do Trabalho Social com a Sociedade Civil de Manguinhos;
4.2 – Os Consórcios devem zelar e tomar todas as medidas cabíveis para evitar a produção de focos e/ou macro-focos de mosquitos, entre outros vetores de doenças, nas frentes de obras; principalmente em decorrência dos indícios de proliferação da dengue, a partir dos canteiros, já detectados e comunicados pelos trabalhadores e pelo movimento social;
4.3 – Deve definir um mapa de risco de atendimento/tratamento prioritário e um plano de contingência, e ter recursos e procedimentos para oferecer, com a rapidez possível e necessária, soluções dignas às pessoas atingidas pelas obras e/ou vítimas de acidentes;
4.4 – Deve apresentar um Plano de Reassentamento e Regularização Fundiária de Manguinhos; e acelerar os procedimentos necessários, em acordo com a sociedade civil local;
4.5 – Deve fomentar a capacitação, produção e reprodução de capital social territorializado para a sustentabilidade do desenvolvimento sócio-ambiental e econômico de Manguinhos, investindo nas organizações da sociedade civil do bairro;
4.6 – Deve capacitar os trabalhadores de Manguinhos, zelando pelo atingimento da meta, proferida pelo Governador, de utilização de trabalhadores do bairro nas obras, mas também zelar pelo respeito nas relações de trabalho, mas também na operação e gestão dos equipamentos e sistemas públicos e sociais de direitos; Os responsáveis pelas contratações pelo Consórcio Manguinhos não tem dado muita importância a esta determinação, uma vez que tem contratado pessoas de outros estados até mesmo para função de servente de obras, para a qual existe grande disponibilidade de mão-de-obra no local, o que contraria diretamente a afirmação do governador de que ‘80% das vagas de trabalho das obras do PAC serão destinadas para moradores das comunidades’;
4.7 – Deve garantir o respeito, pela legalidade, e reconhecimento das características específicas (históricas) e o protagonismo dos sujeitos de direitos, no tratamento dos Consórcios e demais empresas envolvidos no PAC-Manguinhos com todas as representatividades comunitárias e com a população em geral;
4.8 – Deve apresentar os dados do Censo para integração das bases de coleta, reconhecimento, tratamento e gestão compartilhada, democrática, das informações nele contidas, e deve discutir com a Sociedade Civil, a geração de uma base de dados compartilhada, com acesso livre, que garanta a atualização, monitoramento e avaliação continuados em forma de gestão público-social compartilhada; mas também para a definição do Plano de Reassentamento, e, reorientação, se preciso for, dos projetos;
4.9 – O Consórcio Manguinhos vem desobedecendo ao planejamento feito pelo órgão responsável pelo trânsito na cidade, a CET-RIO, para a empresa de sinalização contratada, pois demitiu cerca de 74% dos contratados em menos de 30 dias. A escala de trabalho estipulada pela CET-RIO é de 20 operadores ao longo da Rua Leopoldo Bulhões das 5h até 22h, e de 5 operadores das 22h até as 5h. Atendendo a determinação do Consórcio Manguinhos, a empresa contratada hoje trabalha com cerca de 20 operadores ao longo da via para cumprir todos os turnos. O que traz sérios riscos à vida das pessoas (transeuntes, passageiros e motoristas);
4.10 – O Consórcio Manguinhos também não tem oferecido qualquer oportunidade às empresas do local na contratação de sub-empreiteiras;
4.11 – Pelo Compartilhamento da Gestão para territorialização do PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública, com a Sociedade Civil de Manguinhos;
- Quanto à Infra-estrutura Social
5.1 – Criação de Grupos de Trabalho Temáticos, no âmbito do Conselho de Acompanhamento, ainda que informalmente, em caráter extraordinário, com a participação da sociedade, gestores e técnicos dos órgãos públicos e da comunidade técnico-científica, para a revisão, redefinição, se preciso for, e detalhamento das políticas sociais, evitando discrepâncias;
5.2 – O movimento requer urgência no reconhecimento, redefinição e detalhamento das condições, inscritas no PAC-Manguinhos, de acesso e participação social no sistema público de ensino, dos moradores de Manguinhos, em atendimento as suas prioridades, e à participação destes na gestão territorializada deste sistema;
Apresentamos abaixo, as questões levantadas pelas comunidades mais afetadas pelos investimentos até o presente momento:
NOVA MANDELA (Embratel)
- Relocação imediata das famílias das Ruas da Vitória e da Floresta devido ao risco extremo causado pelos esgotos estourados e grande infestação de mosquito por conta da água parada, devido às obras.
- Com o início das obras na comunidade Nova Mandela (Embratel), algumas famílias tiveram que, após negociação com a EMOP, deixar suas casas, devido a precariedade em que ficaram devido às obras. Mas até hoje não receberam, como também é o caso de outras comunidades, o acordado com a EMOP. Pela Reparação imediata e Respeito pleno à opção já feita pelas famílias.
- Também existem relatos em que, a opção definida em um documento assinado pelas partes anteriormente, é invalidada, por outro documento posterior que, apresentado como formalidade, no processo de ‘reassentamento’, induz à opção pela indenização, coercitivamente. Para o Fórum Social de Manguinhos, a indenização não pode ser utilizada como instrumento de territorialização das políticas públicas, pois reproduz a lógica da especulação imobiliária, devendo ser utilizada apenas quando voluntariamente requerida pelos sujeitos dos direitos.
- A EMOP, nos processos de compra assistida, vêm exigindo que os imóveis escolhidos tenham o RGI – Registro Geral de Imóveis. Sendo Manguinhos um bairro ‘em situação de irregularidade fundiária’ e sendo a regularização uma das metas do PAC, para a integração à cidade, também é do Estado, a responsabilidade pela regularização das unidades em processo de compra assistida, ainda que seja preciso a edição de uma norma específica para a plena realização da Lei, do Direito à Habitação Digna, Saudável, no entorno sócio-comunitário, neste caso específico de ‘sub-normalidade’ produzido e reproduzido por ação e omissão do Estado;
- A colocação de tapumes para isolamento da área a ser removida pelas obras têm restringido o acesso dos moradores, que têm sido obrigados a uma longa volta, passando pela comunidade Samora Machel, também em obras, causando transtornos graves, evitáveis, à população trabalhadora, principalmente, mas também a idosos, pessoas com deficiências físicas e crianças;
MANDELA DE PEDRA
- Ainda não foi apresentada qualquer solução expressa e legítima para o atendimento e tratamento da situação de emergência, com o desmoronamento recente (JAN/2009) de 12 residências junto ao Canal do Cunha (as famílias estão vivendo precariamente da solidariedade da sociedade, alojadas na Associação de Moradores Pq. Carlos Chagas), além do extremo risco que se apresenta para mais de 300 outras famílias.
- Ameaça implícita sobre o processo de reassentamento das famílias às margens do Canal do Cunha, que, sob a responsabilidade do Estado (SERLA), teria dado margens à especulações perversas sobre a remoção destas famílias para Nova Sepetiba, alegando suposta emergencialidade. Omitindo a inépcia do Estado em promover o reassentamento prioritário, no âmbito do PAC-Manguinhos, destas famílias, conforme foi requerido pelo movimento social, e para o que existe consenso técnico, devido ao altíssimo grau de risco! Estas famílias estão nesta situação de emergência há mais de uma década!
- Falta de informação e solução para o processo de atendimento às famílias vitimas do incêndio de 2006, iniciado em setembro de 2008, e até hoje inconcluso.
NELSON MANDELA
- Com as fortes chuvas do último mês de janeiro de 2009, cerca de três famílias tiveram suas casas danificadas e apresentam grande risco para seus moradores. Estas famílias aguardam por uma posição da Defesa Civil que foi ao local e não concluiu a interdição, segundo eles, pela ausência de um dos técnicos. Outras dezenas de famílias também estão em situação de alto risco.
VITÓRIA DE MANGUINHOS (CONAB)
· Falta informação sobre o destino desta comunidade que, conforme já foi afirmado pelo Governo do Estado, seria toda reassentada, para dar lugar a um viaduto. Até o momento, o Estado não apresentou uma definição sobre o futuro destas famílias.
VILA UNIÃO
- Existem incertezas quanto à segurança dos milhares de transeuntes que passam diariamente pela Av. Dom Hélder Câmara em decorrência do alto volume de tráfego de veículos em alta velocidade, principalmente no trecho em frente ao canteiro de obras do Consórcio Manguinhos e da Escola, inaugurada neste dia 3 de fevereiro, cuja calçada foi encurtada, aonde os postes de iluminação pública estão inclinados, tendendo à queda, e foram, concretados, para evitar que a queda acontecesse, sem haver, no entanto, a correção da inclinação e da causa desta.
- A comunidade aguarda uma possível conversa com as autoridades (Secretario de obras e engenheiros) responsáveis, sobre seus temores e ansiedades e para conhecer apresentação do projeto a ser realizado. Esta visita foi prometida por diversas vezes. Chegou a ser agendada para o dia 12 de junho de 2008, mas até a presente data ainda não ocorreu.
- Esta é uma das comunidades mais afetadas pelas frentes de obras próximas ao canteiro de obras do Estado, pelo barulho do bate-estaca e por ameaças à integridade sócio-comunitária ocasionadas pelas obras em andamento.
VILA SÃO PEDRO
- Após a visita dos engenheiros responsáveis e da Defesa Civil, constatando a emergencialidade, ainda não foi apresentada qualquer solução às famílias que moram em um prédio sob risco de desabamento e à vida destas pessoas, que não têm outra opção de moradia. Recentemente, uma parte da laje ruiu e caiu;
SAMORA MACHEL
- As obras estão impedindo a entrada do caminhão de recolhimento do lixo. Por isto, uma grande quantidade de lixo se acumula pelas esquinas, causando graves riscos de saúde, mas também transtornos evitáveis à vida de todos! A Prefeitura, responsável pelas obras em andamento na comunidade, não providenciou outro tipo de coleta.
Rio de Janeiro, Fórum Social de Manguinhos, Janeiro 2007.
Comissão Executiva
Fórum Social de Manguinhos
Fórum Movimento Social para Desenvolvimento Eqüitativo e Sustentável de Manguinhos (FMSDES)
Þ Ass. de Moradores
Pq João Goulart
Pq Oswaldo Cruz (Amorim)
Pq Carlos Chagas (Varginha)
Samora Machel
Nova Mandela (Embratel)
Nelson Mandela
Mandela de Pedra
Vila União
Vitória de Manguinhos/CONAB
CCPL
Vila Vitória
Tancredo Neves
Þ Agenda Redutora das Violências no Local/ Manguinhos
Þ Rede CCAP
Þ Ass. Servidores Fund. Oswaldo Cruz (ASFOC)
Þ UADEMA – Defensores Ambientais
Þ Ass. Líderes Evangélicos de Manguinhos – ALECOM
Þ Agentes do Progr. Saúde da Família Manguinhos
Þ Programa de Educação de Jovens e Adultos para o Desenvolvimento Local – Peja-Manguinhos
Þ Paróquia Santa Bernardete
Þ Capela São Daniel
Þ Casa Viva – Oficina Portinari
Þ ATreVer – TV Comunitária
Þ Escola Música de Manguinhos