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De acordo com o sociólogo francês Pierre Bourdieu, é necessário considerar as especificidades da categoria “juventude”. Salienta-se que a análise das diferenças existentes na estrutura social interfere no conceito de “juventude”. Há, pelo menos, duas juventudes que precisam ser analisadas: a juventude das classes populares; a juventude das classes média e alta. Em outras palavras, as “duas juventudes” ilustram dois extremos de um campo de possibilidades disponíveis aos jovens.

Uma jovem negra e moradora de favela, por exemplo, não compartilha da imagem positivada de um jovem branco e morador da zona sul carioca (inclusive, na maioria dos anúncios publicitários). Dessa forma, a “juventude”, não é uma categoria autônoma em relação a outras (gênero, etnia, classe, religião etc.). Jovens das classes populares têm possibilidades ínfimas (ou inexistentes) de consumir em espaços como restaurantes e museus, além de obstáculos simbólicos (e vivenciados concretamente) que vão de encontro à garantia do bem-estar proporcionado pelo tempo livre.

Ainda que jovens das classes média e alta cometam delitos, é frequente o discurso da moratória social (juventude como etapa áurea da vida), em detrimento ao estigma do pânico moral para jovens favelados e de periferia. A identificação da criminalidade com jovens das classes populares levou o então governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em 2007, numa entrevista ao portal G1, a defender o aborto como política pública de combate à violência:

“Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal”. [Clique aqui]

Confirmando que é possível chegar num futuro que repete o passado, num museu de grandes novidades… É interessante ressaltar a justificativa do atual governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, no que diz respeito aos policiais terem barrado o acesso ao ônibus com destino às praias da zona sul, a partir de critérios arbitrários que expressam apartheid contra o direito de ir e vir dos jovens de periferia, uma vez que não havia ato infracional praticado pelos jovens detidos que pudesse legitimar o tratamento da Polícia Militar:

“A inteligência da polícia mapeou esse movimento de menores desde seu embarque nos ônibus. Quantos assaltos praticaram esses menores? Não estou falando que são todos os que estavam ali [nos ônibus], mas tem muitos deles que já tinham sido detidos mais de cinco, oito, dez ou 15 vezes”. [Clique aqui] 

Numa lógica fascista da política de segurança pública do Estado, tais discursos evidenciam a violação de direitos humanos nas favelas e periferias: extermínio de jovens, retórica sobre a UPP, uso aterrorizante do Caveirão, licença para matar sob pretexto de autodefesa (“autos de resistência”)… Retomando Bourdieu e sua análise de que a “juventude” é apenas uma palavra, o trecho seguinte nos surpreende pela infeliz coincidência ao contexto fluminense (e brasileiro) de apartheid social:

“Encontraríamos diferenças análogas em todos os domínios da existência: por exemplo, os garotos mal vestidos, de cabelos longos demais, que nos sábados à noite passeiam com a namorada numa motocicleta em mau estado são os que a polícia para”. (BOURDIEU, 1983: 114)

Ao contrário de jovens das classes populares, os pertencentes às classes média e alta desfrutam um maior campo de possibilidades para que suas vidas sejam dedicadas ao estudo, ao lazer, ao consumo de bens culturais etc. Portanto, havendo duas juventudes, é necessário assumir o compromisso ético de repudiar a criminalização da pobreza que, dentre outras formas, se manifesta no discurso de defesa da redução da maioridade penal, como se nota no pronunciamento do deputado federal Laerte Bessa (PR-DF) para o jornal inglês The Guardian: “Um dia, nós vamos chegar ao estágio em que poderemos determinar se a criança, ainda no útero, tem tendências à criminalidade. Se sim, a mãe não terá permissão para dar à luz”.

Nota: Pela liberdade de Rafael Bragajovem negro e de periferiapreso porque (veja bem!) portava uma garrafa de Pinho Sol na manifestação de junho de 2013.

Referencial Teórico:

BOURDIEU, Pierre. A “juventude” é apenas uma palavra. In: Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.