“Comunicação não violenta? Cê tá louco?” Indaguei a um amigo que tentava me convencer de que eu poderia, ao menos, tentar e que era necessário passar saudável por tudo o que ele presenciava na amiga negra dele.
“Você precisa se cuidar mais Pri”, disse.
“Fulano, não tem condições. Matam os meus à todo momento. Nesse mesmo momento estão matando um dos meus. Como não ser violenta? Tá maluco? É porradaria mano”, falei.
Se comunicar na voz, sem colocar o sentimento de raiva e impotência, é como a paz de Marcelino Freire:
“A paz nunca vem aqui, no pedaço. Reparou? Fica lá. Está vendo? Um bando de gente. Dentro dessa fila demente. A paz é muito chata. A paz é uma bosta. Não fede nem cheira. A paz parece brincadeira. A paz é coisa de criança.
Tá uma coisa que eu não gosto: esperança. A paz é muito falsa. A paz é uma senhora. Que nunca olhou na minha cara. Sabe a madame? A paz não mora no meu tanque. A paz é muito branca. A paz é pálida.”
E segui sem falar mais sobre o assunto.
Foi em um dos momentos mais loucos que já presenciei no país, onde vi o emocional de geral paralisar e vi que eu estava em prantos, que comecei por conta própria a pesquisar formas de fazer isso. Entre as tags e pesquisas, cheguei a comunicação não violenta.
É, realmente esse era uma caminho. Embora meu cérebro dizia não fazer sentido, meu corpo pedia pra ao menos tentar. Precisava haver uma forma de ser mais leve.
A técnica não nos fala sobre não irar-se ou sentir raiva. Não diz respeito a absolutamente nada sobre não ter dor ou não querer justiça. Não nos fala sobre ficar passivas (os) ou inertes aos assuntos à respeito da proteção dos nossos com unhas e dentes.
Fala de passar saudável pelo processo. Sobre como chegar vivo do outro lado.
E, caramba, uma fenda se abriu e eu vi um fio de luz.
Em tempos de caos, algumas formas de militância nos adoecem. Adoecem os nossos e raramente atinge o “inimigo”. Adoecem porque a gente mal tem tempo de respirar, se alimenta mal e, assim, somos alvo fáceis.
Você já parou pra pensar que onde a gente se sente seguro é onde mais despejamos nossas frustrações? Não temos tempo. Rachamos elos necessários, desfazemos redes de segurança aos poucos.
Nossa família, nossos amigos. Os nossos não são sacos de pancada, mas acabam sendo alvo dos efeitos colaterais de uma militância sem estratégia emocional.
A gente até acha que é individual, mas é coletivo.
Precisamos nos atentar para os efeitos que nosso corpo cansado causa em nosso emocional e espiritual e, assim, encontrar um equilíbrio.
O que eu quero com isso?
Passar saudável pela jornada inevitável.
Precisamos parar de apenas existir, mas viver. Se já nos exterminam em doses cada vez mais extremistas, é preciso que nos cuidemos de forma cada vez mais extremista também.