Ele Não!

Créditos - Francisco Proner

Lapa, coração do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, coração do Brasil. Coração porque faz barulho: as batucadas, a fala alta do carioca; leva sangue pro resto do Brasil, vontade de lutar; traz a vida. O que seria do Brasil sem a cidade maravilhosa? Por aqui, as “fraquejadas”- maneira como o candidato Jair Bolsonaro se referiu à única descendente feminina entre sua matilha de machos- sempre foram as mulatas do samba, do carnaval, os objetos de desejo dos homens do mundo inteiro. Ontem, elas provaram que são mais que isso. Elas mostraram sua força. Mas isso foi depois, na Cinelândia. Agora, voltemos à Lapa. O jornal A Voz da Favela lançava a edição de outubro com a tradicional feijoada, na Esquina da Democracia, próximo aos Arcos. Ali, Alexandre Santini bradou no começo do almoço: “hoje, só quem fala aqui são elas! ” E, de fato, elas falaram. E cantaram. A roda de samba, o símbolo do homem, do malandro, era, dessa vez, composta apenas por mulheres. Elas cantaram Ivone Lara, Clara Nunes e outros donos do samba de raiz. E todo mundo sambou. Teve muita música e, no intervalo entre uma e outra, o grito de “ele não”. Flores pelo salão, flores distribuídas para quem quisesse ir ao ato.  Por volta das 15 horas, havia muita gente na Esquina reunida para ir à Cinelândia gritar que ele não, ele nunca, ele jamais. Saímos, então, rumo à revolução.

Alexandre Santini – Créditos: Vitor Pastana / Cuca da UNC

Agora sim, a Cinelândia. Elas eram incontáveis- e imparáveis. Gritavam com a voz e com o corpo que “fascistas não passarão”. Os bebês gritavam de dentro do ventre das grávidas que suas mães não merecem ganhar menos porque lhes dão à luz. As crianças maiores gritavam por um futuro melhor; os homens, por solidariedade. Mas a voz que todo mundo ouviu mesmo foi a delas. As mulheres gritavam por igualdade, por paz, por justiça e para desabafar sobre todas as vezes que foram chamadas de vagabundas e de fraquejadas.

Cinelândia. Créditos – Francisco Proner

Elas estavam em 26 estados e no Distrito Federal. Usavam adereços como brincos e chapéus para dizer que ele não as representa, no caso de alguém ainda não ter entendido.  Os filhos, as filhas, netos e netas, sobrinhos e sobrinhas, pais, mães, esposos e esposas, avós. Todos estavam ali para dizer ao candidato que não aceitará o resultado desfavorável nas urnas porque “as ruas dizem outra coisa” que essas mesmas ruas também dizem que ele não é bem quisto. As organizadoras do ato contra Bolsonaro disseram que, no Facebook, 83 mil pessoas confirmaram presença na manifestação no Rio, mas esse número provavelmente foi maior na concentração. Ainda não foi divulgada uma estimativa oficial quanto ao número de participantes. Só em São Paulo, foram cerca de 500 mil pessoas; em Belém, 15 mil, em Belo Horizonte, 100 mil e muitas outras pessoas espalhadas pelo Brasil, em cerca de 114 cidades.

Agora, um relato pessoal. Quando voltava para casa, após participar do ato, no metrô sentido Urugai, um grupo de mulheres agitava o vagão em que eu estava. Elas gritavam “ele não” e “ fascistas não passarão”. Muitos passageiros davam corpo ao coro de vozes. Outros, pareciam não concordar, mas respeitaram. Até que, na estação Central, uma passageira desembarcou gritando “ele sim! ‘Ele não’ é um tapa na cara de vocês, suas filhas da p***”. Sabe o que isso mostra? Mostra como existem mulheres que desconhecem o princípio da sororidade, da empatia e do respeito. Mas mostra, mais do que isso, que ser eleitor de Jair Bolsonaro é muito mais que o desejo de ver a mudança: é querer impor a moral de um grupo de pessoas e tratar as eleições como se fosse tão somente uma competição e fosse apenas sobre quem ganha e quem perde. Isso prova que boa parte dos eleitores da família Bolsonaro não estão preocupados com os valores cristãos, com a segurança ou com a igualdade. Na verdade, até estão, mas apenas no que diz respeito a eles. Xingar quem quiser, agredir ou até matar vai ser algo mais possível porque pessoas, como a mulher que relatei acima, vão se sentir acolhidas pela autoridade máxima do país, o presidente, que compartilha dos mesmos ideais violentos que elas. Eu me perguntei muito sobre o que leva alguém a achar que apenas seus interesses importam, mas o que me deu um pouco de paz foi lembrar de um cartaz que li na Cinelândia. Nele, estava escrito “as fraquejadas vão te derrubar”. E isso me conforta. Saber que, de fato, não vai ser ele. E mesmo que seja, vai ser impossível governar sem o apoio de nós, “vagabundas e fraquejadas”, que vamos, certamente, continuar mostrando nossa força.