Dia 15 de novembro, os brasileiros vão às urnas escolher seus representantes políticos para as prefeituras e câmaras municipais do país. Com isso, se abrem infinitas possibilidades de novos rumos, que podem melhorar ou até mesmo piorar a qualidade de vida da população. Tudo depende do tipo de gestão que será feita nos próximos quatro anos pelos representantes escolhidos pelo voto popular.
Com o direito de ir e vir assegurado na Constituição, a mobilidade urbana deveria ter espaço de destaque na gestão pública, sendo tão importante quanto a saúde e a educação. Na prática, entretanto, o gerenciamento do transporte público e o planejamento da mobilidade se mostram ineficientes, acentuando a desigualdade social, reduzindo a qualidade de vida e a acessibilidade aos espaços e serviços públicos.
Bilhetagem e financiamento do transporte público
Para o professor de engenharia de produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Mauro Zilbovicius, o ideal para a mobilidade urbana do país seria uma regulamentação nacional sobre o financiamento dos transportes coletivos. Ele ainda ressalta que os ônibus devem ser tratados como o principal meio de locomoção em massa e que os estados e municípios deveriam ter um planejamento mais integrado de locomoção.
“Dificilmente cada município vai conseguir resolver o seu problema sozinho porque tem cidades, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, que são grandes e integradas às suas regiões metropolitanas. Então, não dá para resolver a questão de transporte em São Paulo, por exemplo, sem considerar os 37 municípios da Região Metropolitana. Precisamos, no nível federal, criar uma contribuição do uso da cidade para criar um fundo de financiamento do transporte coletivo. Não só do ônibus, mas também, para expandir e melhorar as redes sobre trilhos”, analisa o especialista.
Entre os três candidatos à prefeitura de São Paulo, que estão à frente nas pesquisas – Bruno Covas (PSDB), Celso Russomanno (Republicanos) e Guilherme Boulos (PSOL) – o único que se manifestou completamente a favor de uma total reestruturação do financiamento dos transportes e contra o carrocentrismo foi o candidato do PSOL. Boulos apresentou propostas e linhas de ação para chegar à tarifa zero no município e reduzir o número de carros nas vias, melhorando os coletivos.
A bilhetagem é um tema mais presente nas propostas dos principais concorrentes à prefeitura do Rio de Janeiro. Eduardo Paes (DEM), que lidera a pesquisa Ibope do dia 29 de outubro, com 32% das intenções de voto, Marcelo Crivella (Republicanos) e Martha Rocha (PDT), que dividem o segundo lugar com 14% e Benedita da Silva (PT), com 9% não deixaram a tarifação de lado.
Benedita foi a mais ousada ao propor, de maneira imediata, a redução da tarifa do Bilhete Único e do preço da passagem de novas linhas de ônibus e vans dentro dos bairros, além de oferecer passe livre para desempregados e estudantes.
Crivella quer remodelar o sistema de bilhetagem dos ônibus para permitir a prática de tarifas diferenciadas por trecho, horário e localidade. Já Paes tem a intenção de aumentar a duração do Bilhete Único para três horas e Martha quer gerenciar a análise de custos e dos dados de bilhetagem, permitindo maior autonomia de decisões ao município, além de expandir a integração tarifária com o estado.
Integração via BRT
No Rio de Janeiro, a falta de integração metropolitana também é um grande problema. Segundo o gerente de Políticas Públicas do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), Bernardo Serra, algumas falhas de gestões anteriores ganham destaque negativo, como as obras do BRT que, segundo ele, continuam gerando custos para o município por um período além do esperado.
“Teve muito otimismo [no passado], com muitas obras, muitos grandes eventos, as infraestruturas foram planejadas para projeções de demandas que foram muito otimistas. Como por exemplo, o metrô da linha 4, que tem uma demanda hoje muito menor do que a prevista e tem uma dificuldade muito grande para a sustentabilidade financeira da operação”, diz.
Não por acaso, os candidatos Paes, Crivella, Martha Rocha e Benedita da Silva apontaram o modal como a maior necessidade de transformação do sistema e da infraestrutura.
Paes chegou a dizer que o BRT será prioridade dos primeiros 100 dias do seu mandato, caso seja eleito. Crivella aponta que vai realizar concessão das estações para a iniciativa privada e reinvestir todo o capital na segurança e prevenção a vandalismos. Já Martha pretende iniciar a transição para o modelo de ônibus elétricos, substituindo os atuais veículos a diesel. Benedita propôs o desenvolvimento interligado da Zona Oeste e a revitalização do entorno da Avenida Brasil através do BRT Transbrasil.
Locomoção acessível
A falta de integração entre modais e de uma política tarifaria mais justa é percebida também em Belo Horizonte. Segundo estudo feito pelo ITDP, duas viagens de ônibus por dia na capital mineira comprometem 22% do salário mínimo de um trabalhador. Para uma pessoa que recebe R$1.045 e paga uma tarifa de R$4,50 são R$ 229,90 dedicados ao transporte por mês. O professor da Universidade de São Paulo (USP), Mauro Zilbovicius, alerta para a extrema desigualdade de acesso à cidade.
“Não adianta pensar num sistema que é unicamente financiado pela tarifa porque a população que mais depende do transporte público é a que menos pode pagar. O certo seria ter tarifa zero porque o que limita o uso da cidade é não poder andar de ônibus. A sociedade ainda lida com o sistema de transporte como um meio de ir e voltar do trabalho, mas as pessoas têm direito a circular na cidade”, afirma.
O estudo do ITDP mostra ainda que o transporte da capital mineira é longe das moradias, caro, inseguro e desigual. A maioria da população da região metropolitana de Belo Horizonte (92%) está distante do transporte de média e alta capacidade, o que reduz o acesso à cidade, a qualidade de vida e expõe as pessoas, principalmente as de maior vulnerabilidade de gênero, raça e renda, a situações de risco.
Para o fotógrafo Augusto Brasil, quando se trata de transporte coletivo, o que os cidadãos de Belo Horizonte mais precisam no momento são de opções. “Precisamos de mais alternativas de transporte público. A tão sonhada ampliação do nosso metrô, que passa por fora do Centro. Será que essa ramificação da linha e a criação mais estações algum dia sai? Sonho com esse dia”, diz.
Sobre mais opções de transporte coletivos, o candidato à prefeitura da capital mineira que está no topo das intenções de votos, Alexandre Kalil (PSD), afirmou que está em negociação avançada com diversas instituições para captar mais R$ 1 bilhão, que será destinado, dentre outros projetos, para a construção de faixas exclusivas para transporte público, ciclovias e implantação do corredor para ônibus no centro da avenida Amazonas.
Mobilidade ativa
A integração entre meios de transporte nas cidades brasileiras também deveria incluir a mobilidade ativa, como o uso das bicicletas, mas o investimento nesse modal ainda é baixo. Segundo um levantamento do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), de 2018, com dados referentes ao Perfil dos Municípios Brasileiros (Munic) de 2017, apenas 14,7% das cidades brasileiras contam com ciclovias para auxiliar a mobilidade urbana. Já os bicicletários foram encontrados em 303 municípios, apenas 5,4% do total.
A disparidade se torna ainda mais evidente ao observar que poucas capitais concentram mais de 400 km de ciclovia, enquanto outros 13 municípios não contam nem com 100 km, como é o caso de Porto Alegre.
A candidata à prefeitura da capital gaúcha, Manuela D’Ávila (PCdoB), que lidera as intenções de voto, com 27%, de acordo com a pesquisa Ibope de 29 de outubro, promete executar o Plano Cicloviário, já que a cidade não tem um quinto dos 395 km previstos de ciclovia.
Todas as propostas, no entanto, ainda são apenas promessas. Por isso, é importante que a população se empenhe em estudar os candidatos, para tomar decisões que combinem com seus ideais nas próximas eleições e, principalmente, acompanhem o desempenho dos políticos eleitos. Fiscalizar e cobrar o planejamento urbano proposto durante o processo de campanha eleitoral é uma tarefa de cidadania imprescindível.