As eleições 2020 ainda nem aconteceram, mas já entraram para a história: nunca houve tantas mulheres na disputa e, pela primeira vez, brancos não estão em maioria. O Tribunal Superior Eleitoral registrou recorde de candidatos inscritos no Brasil, com um total de 548.652 pessoas aptas a disputar o pleito. As novidades, no entanto, parecem não ser suficientes para animar os eleitores das favelas do Rio de Janeiro.
Segundo o historiador e diretor da Redes da Maré, Edson Diniz, de 49 anos, a incredulidade se agravou devido às circunstâncias vivenciadas por moradores das comunidades cariocas durante a pandemia do novo coronavírus. “As perspectivas não são animadoras para os moradores de favelas. Isso porque os candidatos não têm propostas claras e concretas para resolver os problemas socioeconômicos e de saúde agravados pela pandemia”, explica o historiador.
Edson Diniz aponta ainda que o desânimo com a política é geral, porém, atinge com mais força os moradores da favela, em especial, os jovens. “São justamente eles, principalmente os jovens negros, os mais atingidos pelos problemas gerados pela má administração, pela corrupção e pela desigualdade gerada a partir da política”, afirma.
O professor e educador social, Laerte Breno, 25 anos, morador do Complexo da Maré, faz parte desse grupo que é mais afetado pelo descaso público. Com isso, apesar das aparentes mudanças positivas nas eleições 2020, o jovem ainda se sente desesperançoso e distante demais de uma política inclusiva. “Dificilmente eu crio alguma esperança nas eleições. Por mais que tenha pessoas próximas a mim que estão se candidatando, eu não consigo ver os governos dialogando com a favela, e isso me deixa muito triste”, enfatiza.
O jovem acrescenta que gostaria muito que as eleições lhe dessem esperança o quanto antes. “Eu não quero ser acordado ao som de tiros outra vez”. Apesar de desanimado, Laerte, sendo homem, negro e morador de favela, acredita ser bem importante o crescimento das candidaturas não-brancas nas eleições, mas faz importantes ressalvas acerca das circunstâncias dessa situação.
“Ter um percentual expressivo de candidatos negros é sim uma importância não só simbólica, mas, obviamente, política. No entanto, uma coisa que me preocupa é que não adianta nada se o próprio partido não fortifica a campanha dele ou dela” adverte. Para o educador, “é muito bonito abrir a porta pra esse candidato ou candidata negra, mas, se não oferece um mínimo de suporte, pouco efetiva vai ser essa metodologia”.
O abandono de partidos e candidatos é uma situação que Camila Santos, do Complexo do Alemão, conhece bem. Ela perdeu a casa há cerca de 10 anos devido a uma enchente na favela da Skol e, desde então, afirma que não recebeu auxílio nem dos políticos da sua região.
“Nós devíamos unir todas essas famílias e pedir voto? Pra quem? Pra quê? Se nós mesmas estamos desacreditadas! Tanto fanfarrão! Toda hora alguém bate no peito e levanta bandeira de moradia no Complexo do Alemão. Onde vocês estavam esses anos todos?”, questiona a ativista que se considera o reflexo do descaso e abandono do poder público. “Vocês conseguem entender minha revolta? Não? Fiquem sem casa!”, desabafa.
Para Camila, é necessário mais que um candidato conhecido, é preciso encontrar alguém engajado com as lutas da favela para então pensar em um futuro promissor. “Queria que o povo conseguisse olhar pro cenário atual e enxergar alguma possibilidade de mudança. Mas está muito difícil encontrar uma opção de voto que represente a favela”, afrima. Ela enfatiza que haverá um impacto positivo se essa diversidade de candidatos seguirem se comprometendo diretamente com o povo após serem eleitos.
Esse desânimo coletivo se torna pior porque os jovens eleitores de favela sabem bem do que precisam, como explica o articulador social do Jacarezinho, Tino da Rocha, 30 anos. “Hoje em dia estamos muito desacreditados de tudo referente à política, mas a minha esperança é que os políticos, de uma maneira geral, possam olhar as comunidades de maneira mais ampla, criando oportunidades de primeiro emprego, cursos, educação, saneamento básico e saúde o ano inteiro, e não apenas em período eleitoral”, analisa.
Mais de 1.700 candidatos concorrem às 51 cadeiras na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e 11 pessoas disputam o Executivo Municipal. Devido à pandemia do novo coronavírus, a eleição 2020 foi adiada para os dias 15 e 29 de novembro.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative.
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