Empreendedorismo de favela é sobrevivência, mas isso tem se transformado a passos largos. Em meio à crise financeira que se instalou no país, o número de microempreendedores dentro de favelas tem crescido. Junto a esse número, novas empresas tem ganhado força com o objetivo de alavancar esses mesmos negócios.
É o dinheiro circulando de mão em mão, dentro dos territórios de favela.
Fui criada por uma camelô, diarista, empreendedora nata. Os produtos mudavam conforme o que estava em alta no mercado, mas a venda era o ponto forte. No trem ou no estádio de futebol, quando o Fla-Flu era anunciado, a agitação já começava e minha casa parecia uma daquelas cenas de filme onde se fala de bolsa de valores.
Jogo no Maraca? “Liga pra fulano, vai na casa de ciclano, tenta descolar a credencial pra vender na arquibancada.”
“Mãe, que cicatriz é essa na sua perna?” – Eu perguntei certa vez. “Toma seu banho e deita que já já a mãe chega pra te contar uma história pra dormir”. Assim, ela me contou como foi o dia em que correu com o isopor nas costas e levou uma porrada da dupla Cosme e do Damião, os guardas mais temidos da época, e de como pulou o “poço” do Maraca pra não perder a mercadoria.
As diárias como doméstica eram parte do sustento, assim como foram algumas assinaturas na carteira, mas a base mesmo era a veia empreendedora que, na verdade, era a tal sobrevivência.
Como de costume, o empreendedor de periferia se divide, muitas vezes, entre o emprego fixo e o sonho do próprio negócio. Segundo dados do Data Popular, R$ 80 milhões são movimentados hoje pelos 12 milhões de moradores de favelas brasileiras.
Quando um negócio abre na favela, significa dinheiro e emprego sendo gerados dentro dos territórios. Nós não fomos educados para empreender, mas para dar um jeito e cobrir o buraco no orçamento da casa. Graças aos movimentos locais, feitos inclusive pelos próprios moradores desses territórios, esse quadro está mudando e alavancando os negócios que crescem em grande escala – inclusive com a finalidade de potencializar socialmente o lugar onde vivem.
Somos a base, a massa. A mesma massa que durante tanto tempo vem sendo massacrada pelo excesso de trabalho e a migalha de salário. Mas descobrimos que empreender, embora seja resistência, também é real. A gente entendeu que somos nós por nós e muito mais potência.
E como disse Wilson das Neves naquela certa canção: “Não tem órgão oficial / nem governo, nem liga / nem autoridade que compre essa briga / Ninguém sabe a força desse pessoal / melhor é o poder devolver a esse povo a alegria / senão todo mundo vai sambar no dia em que o morro descer e não for carnaval…”.