O “Encontro Mulheres de Axé“, reuniu representantes da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (RENAFRO), nacional e do estado da Bahia, além de instituições de diversos setores da sociedade, na Casa da Música, localizada no Parque Metropolitano do Abaeté, em Itapuã, Salvador.
O objetivo do encontro foi promover diálogos e reflexões sobre questões relacionadas à saúde no estado da Bahia, bem como o enfrentamento do racismo religioso. É importante ressaltar que as religiões afro-brasileiras, têm enfrentado desafios e discriminação ao longo dos anos, inclusive no campo da saúde.
O evento aconteceu no último sábado, 6, e a abertura foi conduzida pela Yálorixa Jaciara Ribeiro dos Santos do Terreiro Axé Abassá de Ogum e coordenadora do Núcleo de Mulheres de Axé da Renafro-BA, com a presença das dançarinas do Bloco Afro Bankoma.
A programação contou com a formação de Grupos de Trabalho: Propostas de ações para as Mulheres de Axé 2023, Lançamento do Catálogo “Moda de Terreiro” e Presente de Osun. Foi um momento simbólico que trouxe visibilidade e valorização para as tradições ancestrais e para as mulheres que desempenham um papel fundamental nessas comunidades.
A união da RENAFRO com a Defensoria Pública da União (DPU), a Defensoria Pública do Estado (DPE) o Ministério Público Estadual (MPE), a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia (SEPROMI) a Secretaria Municipal de Saúde e as organizações, Race Equality Foundation, KOINONIA e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) no Encontro Mulheres de Axé, evidencia a importância de um esforço conjunto na promoção da saúde, na promoção da igualdade racial e na defesa dos direitos das comunidades afro-religiosas.
Intolerância Religiosa
As religiões de matriz africana têm sido alvo de preconceito, discriminação e intolerância, o que afeta não apenas a liberdade de crença, mas também a identidade e a autoestima dos praticantes. Uma vez que a discriminação pode impactar negativamente a saúde mental e física das pessoas que professam religiões de matriz africana.
A força e resiliência demonstradas pelos Yaôs Rosseelinni Muniz e Alef Bernardes do Terreiro Axé Abassá de Ogum e Ekedi Rita, do Terreiro Ilê Axé Odé Deleui, pela busca da liberdade religiosa são exemplos de superação dos preconceitos praticados na sociedade que precisa ser inclusiva e respeitosa.
“Nossa tentativa é fortalecer essa discussão em relação à saúde mental, física e espiritual do povo de axé. A gente vai sair daqui hoje com o calendário de ações, reuniões de fortalecimento de cada pessoa que acompanha a rede como a Defensoria Pública do Estado, o KOINONIA, o CESE e demais parceiros. Sempre fortalecendo nossas lutas, construindo um diálogo que vem no movimento social sobre a luta contra o racismo e acesso à saúde”, diz Rosseelinni.
Alef Bernardes completa, “Viemos de um histórico de luta diárias contra a intolerância religiosa e temos que defender esse patrimônio ancestral e cultural das religiões afro-brasileiras”.
A Ekedi Rita, do Terreiro Ilê Axé Odé Deleui, localizado na cidade de Camaçari-BA, relata com muita alegria e entusiasmo sua participação no evento, “Foi um prazer imenso estar aqui hoje participando do encontro de mulheres negras, é muito importante para a gente do Axé conhecer essas orientações. Agradeço a minha mãe Oxum pelas pessoas maravilhosas que têm colocado na minha vida, um presente pelo aniversário de santo”.
Por isso, é fundamental que estratégias de enfrentamento ao racismo religioso sejam discutidas e implementadas, para garantir que todos tenham acesso igualitário à saúde e aos serviços oferecidos pelo sistema de saúde. A Defensora Federal e Coordenadora do Grupo de Trabalho Nacional de Políticas Étnicos-raciais-DPU, Natália von Rondon, destaca as ações da instituição.
“Temos desenvolvido em diversas regiões do país, várias parceiras no enfrentamento ao racismo religioso, com diversos projetos em parceria com a Defensoria Pública do Estado, Ministério Público Federal e Organizações da Sociedade Civil, que buscam enfrentar o racismo religioso e garantir acesso à direitos aos povos de terreiro.
Temos trabalhado em parceria para formalização de terreiros, buscando acesso às informações de tombamento federal, como também, buscar e acompanhar casos sensíveis de racismo religioso em terreiros e comunidade, trabalhando para aplicar por exemplo, a lei de diretrizes base de educação que determina o estudo afro da história brasileira nas escolas, como uma alternativa e estratégia de combater o racismo religioso que ainda hoje tem como principal alvo crianças e adolescentes nas escolas”, comenta Natália.
Constituição
A falta de aplicação da Lei nº 10.639/03 contribui para o desconhecimento da história afro-brasileira. “Art. 26-A prevê. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”.
“Infelizmente a gente percebe que essa lei não vem sendo aplicada de forma adequada, que não tem um material didático adequado, não tem órgãos de fiscalização e tão pouco o nivelamento dos profissionais da educação para aplicação adequada dessa lei. Temos trabalho e articulado com outros órgãos públicos buscado essas diretrizes.
Hoje o grupo de trabalho tem atuado na temática do racismo religioso e garantia dos direitos da religiões afro-brasileiras, tem trabalhado com aplicação da lei de diretrizes da educação e políticas afirmativas, são temáticas importantíssimas para a gente pensar em política de promoção da igualdade racial”, ressalta Natália.
A contribuição das instituições é importante para a conscientização e desconstrução dos preconceitos existentes, além de promover a valorização da diversidade religiosa e étnico-racial.
“A gente tem que pensar que o racismo é uma tecnologia um sistema de dominação que afeta a saúde do povo negro, o racismo ele mata, e tem matado no nosso país! Então é muito importante a gente pensar, não apenas na saúde psicológica, mas no acesso à saúde como um todo dos povos de terreiros, por isso que esse trabalho e atuação da defensoria é tão importante.
Estamos aqui hoje em parceria com as Renafro Bahia e Nacional e com a Defensoria Pública da Bahia se colocando à disposição para continuarmos pensando e refletindo sobre essas políticas, caminhando em parcerias com os povos e lideranças religiosas de terreiros, para construção dessas políticas públicas.
Infelizmente sabemos que o racismo não ficou esquecido no passado da nossa história, está enraizado e é uma forma social escravista presente no nosso país. A Defensoria Pública da União está à disposição e aberta para construir essa articulação para garantir o acesso ao direito”, conclui Natália.
Encontros como esse serão mantidos, para promovendo o diálogo, a conscientização e ações concretas para combater o racismo religioso e garantir a saúde e o bem-estar de todas as comunidades religiosas, incluindo as de matriz africana.
Letícia Peçanha, Defensora Pública do Estado da Bahia, também expressou sua felicidade em participar desse encontro que é um protagonismo para as mulheres afrodescendentes.
“Foi maravilhoso, uma honra, fiquei muito feliz em participar desse evento. Lotada na comarca de em Luís Eduardo Magalhães, Município do Oeste da Bahia, ela é Yaô do Terreiro Ilê Omolu Oxum, Baixada Fluminense – RJ. Tivemos uma reunião pré-reunião com a RENAFRO para garantir direitos em vários eixos e foi muito importante porque pensamos não só no viés da repressão, porque a gente tem muitos problemas, casos religiosos o tempo inteiro.
E ressalta sobre a aplicabilidade da Lei nº 10.639/03 “A gente pensou também não no viés preventivo, mas pelo viés da educação e da infância que é onde começa. Se as crianças tivessem uma noção positiva do que é o Candomblé do que oculta a natureza isso poderia influenciar e mudar toda essa questão do racismo religioso que a gente tem vivenciado.
Ela continua “Apesar disso a ideia da Defensoria é ser uma parceira e estar sempre de portas abertas para ouvir os povos de terreiro e para botar os serviços para funcionar. Viabilizar para que as pessoas tenham benefícios econômico, encaminhar para assistência psicológica, jurídica (área crime).
“Eu pedi para Assistente Social da Unidade que procurasse os terreiros da minha comarca, porque a gente também precisa ir até as comunidades e perceber que muita gente não chega para trazendo demanda porque não conhece, não sabe acessar ou às vezes não tem condição de acessar e cria uma linha de pensamento, uma resistência que não vai funcionar, que ninguém vai ouvir, ninguém vai entender”.
A população precisa desmistificar e é por isso que o viés preventivo da educação é um enfoque que a gente precisa ter muito forte e fazer com a lei que existe funcione e cumpra seu papel”, complementa Letícia.
O Encontro Mulheres de Axé ampliou a participação das mulheres de Axé na defesa dos direitos, na promoção da educação, igualdade racial e defesa comunidades afro-religiosas.