… e colabora ainda mais para a segregação das minorias
A mídia, emissoras de televisão, marketing de grandes marcas, publicidade e até mesmo qualquer publicação de rede social com grande alcance têm o poder de transformar o imaginário social, formar estereótipos e refletir o cenário político social do momento. Não é à toa que os detentores do poder econômico também são os donos das grandes empresas de comunicação. Mesmo que hoje exista mais opções para fugir das narrativas adotadas pelos conglomerados midiáticos (afinal, qualquer um pode gravar um vídeo e contar a sua versão da história) ainda somos atingidos por conteúdos que favorecem as classes dominantes. Agora ao invés de termos uma mídia explicitamente preconceituosa e cheia de discursos de ódio, temos propagandas que pregam o empoderamento e igualdade como algo que depende exclusivamente do indivíduo e isenta a mudança estrutural da sociedade.
A questão agora é que a linguagem midiática da ênfase a VOCÊ consumidor, ou seja, você não assedie mulheres, não seja racista, não tenha preconceitos, reflita sobre isso e mude. Pronto é simples, cada um faz sua parte e viveremos em mundo melhor. O problema é que nessa mesma lógica pensamos “ – agora todo mundo já sabe como se defender, como denunciar, como resolver os problemas, está em todo o lugar, não irá se repetir! Quem fizer é exclusivamente mal caráter e quem sofrer não se defendeu porque não quis, pois está na mídia e sabemos como agir” e fica quase invisível o déficit do Estado, os canais de denúncia que caem a ligação, as poucas delegacias especializadas, os profissionais mal treinados o sistema judiciário que para esses casos é mais lento ainda… E perceba que tratamos questões estruturais como exceções, casos de má conduta. A misoginia, racismo e homofobia passam a ser resolvidos se eliminarmos (ou encarcerarmos) um outro elemento problema, afinal quem persiste nesses comportamentos não reflete a sociedade. E passa a ficar tudo bem, o problema estrutural, secular desapareceu. E assim as políticas públicas sobre esses temas começam a ser sucateadas e começamos a disseminar discursos como “esses assuntos não devem ser preocupações do governo, isso vem da educação e caráter de cada um”. É o que os comunicólogos chamam de blacklash: um termo utilizado para descrever a sensação de que os meios de comunicação barram o avanço de movimentos culturais por justiça social (tais como antirracista, feminista) por meio da apropriação da pauta, ou seja causam a sensação que essas lutas já estão inseridas de modo que são desnecessárias mais políticas públicas pois esses segmentos já avançaram muito na sociedade.
E desse modo os grandes empresários ganham dos dois lados: as marcas ganham o valor agregado, a simpatia dos militantes e lucram tanto da classe oprimida que se viu representada, quanto da classe que não quer que esses temas ganhem voz. Enquanto o capitalismo está ditando o nosso movimento por meio de séries, produtos, novelas e comerciais o neoliberalismo avança e o fim das políticas sociais de bem-estar social também, afinal eles estão ficando com a nossas mensagens e os lucros. A nossa realidade é um investimento pesado do empresariado no sucateamento dos direitos dos trabalhadores dos cidadãos, estamos na eminencia de um Estado mínimo. As reformas valorizam a meritocracia e o individualismo. E a solução oferecida é o empreendedorismo individual, micro-empresários ou qualquer alternativa que não tenha garantia das Consolidações das Leis do Trabalho (CLT) e qualquer outra opção é lida como “depender do governo para sobreviver”, atrasar o país, gastar com velhos ou falta de planejamento – culpa do indivíduo.
O sistema econômico que vivemos depende da miséria para se sustentar, por isso a concentração de renda na mão de tão poucos. Podemos até mudar o gênero ou cor de alguns desses detentores de poder, mas estamos longe de mudar as estruturas da pirâmide. E o discurso da meritocracia se propaga: “ não tenha patrões, sejam um empreendedor”, “se tiver talento nada vai te impedir”, “ agora você é visto na mídia, você tem espaço”. E meritocracia recontada, é a nova face do capitalismo – acabou a luta de classes, agora é todo mundo patrão. E assim viveríamos numa sociedade horizontal. Enquanto a mídia vender que o empoderamento pessoal é mais eficaz que as políticas públicas alcançadas continuaremos num sufocamento cada vez maior da democracia e perda da pluralidade da identidade brasileira. As reformas propostas pelo atual governo e apoiadas pela mídia são anti-trabalhadoras e diferenciam ainda mais os empobrecidos dos detentores do capital deixando a sociedade cada vez mais de cima pra baixo. Esse é resultado de uma mídia que só valoriza a cidadania a partir do poder do consumo e ignora coletivo. Não podemos deixar que as grandes mídias vendam que ascensão é exclusivamente individual, não podemos permitir a única narrativa seja que o crescimento do país e a igualdade se dá pelo consumo e que somente consumindo e explorando se obtenha poder. É necessário encararmos o desafio de um novo modelo de sociedade e de produção e valorização do coletivo. O nosso desafio é sair do eu e pensar no nós .