Entrevista de mês: Pc Caju

Créditos - Reprdução

 “A gente não tem uma seleção brasileira, esses jogadores  não têm a mínima identificação com o Brasil, a maioria nem joga no país.”

Paulo Cézar Lima, mais conhecido como PC Caju, cria do Tabajara, uma relíquia no futebol mundial, concedeu uma entrevista ao jornal A Voz da Favela e fala sobre a seleção brasileira, e falta de talento dos jogadores e seus técnicos gaúchos.

AVF – Você nasceu na favela e jogou futebol no meio da rua. Hoje, os campos de terra batida quase não existem mais, tudo virou grama sintética. Você acha que a falta desses campinhos influenciava formação dos jogadores?

PC – Antigamente era complicado um campo na favela, eu jogava no meio da ladeira, no paralelepípedo.Eu fazia bola de meia, porque minha mãe não tinha dinheiro. Eu não tinha onde jogar, ali (no meio da ladeira) tínhamos habilidade, drible. Eu vivia com o dedão do pé estourado, e ainda apanhava da minha mãe com vara de marmelo, ela colocava Merthiolate e dizia: “Futebol é coisa de vagabundo” e eu dizia: “não sou vagabundo, eu quero jogar”.  Eu tinha o dom de jogar bola e era o que eu queria fazer, não tinha TV, eu estudava e era bom aluno, mas gostava de jogar bola e meu pai me ajudou muito a conquistar meus sonhos. Hoje em dia, acabaram com os terrenos baldios, é grama sintética. Assim os garotos não desenvolvem as habilidades, e não se vê mais a molecada limpando o terreno e jogando descalço na favela.

AVF – Porque, hoje em dia, é tão difícil um garoto de favela chegar aos grandes times?

PC – Hoje, os clubes são uma máquina de fazer dinheiro, a maioria dos técnicos, principalmente no Rio de Janeiro, é formado em Educação Física, não tiveram contato com a bola, mal sabem jogar futebol. O mercado valorizou muito esse profissional e o resultado são 20 anos sem o Brasil ganhar uma copa. Isso acontece por que esses profissionais estão voltados para formar atletas e não buscam mais os garotos da favela, pouco são os observadores que entram na favela para descobrir esses talentos, aliás, quase não se vê ex-jogador treinando time de favela. É  uma falta de interesse e descriminação, no entanto, muitos jogadores vieram da favela, inclusive eu, mas nunca recebi um convite para treinar esses jovens. O único que eu consigo citar agora é o Jairzinho (furacão na copa 70) que tem um trabalho muito bom na favela da Maré há mais de 30 anos, mas é pouco divulgado. Ronaldo, Romário, o próprio Adriano todos são de favela, mas falta consciência.  Meu conselho para essa garotada da favela que sonha em ser jogador de futebol: estudem! A educação é fundamental, lutem, busquem, corram atrás e não esperem ninguém puxá-los pelas mãos.

“Meu conselho para essa garotada da favela que sonha em ser jogador de futebol: estudem! A educação é fundamental, lutem, busquem, corram atrás e não esperem ninguém puxá-los pelas mãos.”

AVF – Qual é a diferença dos jogadores do Tri de 70 para a Seleção atual? Falta amor à camisa da seleção?

PC – É falta de talento! Os últimos artistas da bola foi a geração de 80: Falcão, Hebert,Careca, Zico, Socrates, Júnior,  entre outros. Quando o Brasil perdeu para Itália (1982) ali já perdeu o futebol.  A partir daí foi introduzido o futebol do Sul, Felipão, Mano Menezes, Dunga e Tite. A escola de técnicos, hoje, é do Sul.  Eles são atletas, físicos, halterofilista… isso não é o futebol, futebol é pegada, marcação, eficiência, jogo e não tem mais isso na seleção. Temos um vexame, aquele 7×1 que na verdade foi 10×1. Eu não torço mais para o Brasil. Se temos “jogadores bons” temos que ganhar e não perder, mas esse é o estilo do Tite. Alguém comenta a Copa de 94? E eu estou falando em termo de beleza. O futebol tem que ter estilo, swing, arte e drible sempre.

Créditos – Reprodução

AVF – Hoje na seleção temos um time de coadjuvantes, você destacaria alguém que ainda pode ser o nome da seleção?

PC – É a terceira Copa do Mundo desse grupo: Daniel Alves, Thiago Silva, Marquinhos, Miranda, Felipe Luiz, Fernandinho, Casimiro. Ahhh Pelo amor de Deus! Para. Já foi! Eu não torço para o Brasil, eu odeio o futebol que está aí, eu torço pela Bélgica, pela França, torço pelo o bom futebol. Eu gosto de um futebol bonito! Além disso, Tite é muito paternal, o grupo que ele tem é muito protegido. Não temos uma seleção brasileira, esses jogadores não têm a mínima identificação com o Brasil, a maioria nem joga no país. Quando perdem um jogo nem se importam, voltam para o seu time internacional.

AVF – Quem seria o Paulo Cézar hoje sem o futebol?

PC – Se eu não fosse um jogador, eu seria um diplomata, alias, eu já sou um diplomata, eu tenho facilidade em lidar com as pessoas. Eu fui condecorado com a maior honraria francesa. É sinal que meu percurso, independente dos percalços, é muito importante. E no futebol, eram raros os negros que se posicionavam, Pelé e Jair quase não se manifestavam e por eu ser desse jeito  eu fui muito perseguido. As pessoas brancas não têm tanta preocupação, pois para elas é mais fácil, mas nós que viemos da favela, tudo é mais difícil. Graças a Deus eu tive uma boa educação, mas e os garotos que não tem essa oportunidade?  Às vezes o moleque da Maré, do Alemão, da Rocinha entre outras favelas, não tem opção, tem que ter coragem para seguir o sonho de jogar bola.

*Matéria do jornal A Voz da Favela na edição de Julho de 2019