Itamar Junqueira, de 73 anos, ainda lembra bem do dia que sofreu uma queda na rua, que resultou em meses de desconforto. “Era uma sexta-feira de manhã, eu estava indo visitar minha filha para passar o sábado com meus netos. Quando fui chegando, eu virei meu pé num paralelepípedo que estava solto e caí. Na hora, eu senti muita dor e não conseguia mexer meu pé esquerdo”, lembra.
Para chegar à casa da filha na Baixada Fluminense, Itamar, que mora no Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, utilizava dois ônibus e um trem. Segundo ele, o trajeto não era tão difícil, mas, após a queda, ficou quase um ano sentindo dores e desconforto, o que tornou complicado fazer até as tarefas comuns do dia a dia.
Assim como Itamar, cerca de 17,3% dos idosos apresentam limitações funcionais para realizar atividades instrumentais de vida diária, como utilizar os meios de transporte, fazer compras, tomar remédios, usar o telefone e realizar trabalhos domésticos. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2013, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção aumenta para 39,2% entre os idosos com mais de 75 anos.
Quedas frequentes
O Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into), ligado ao Ministério da Saúde, constatou que a cada três idosos com mais de 65 anos, um já sofreu algum tipo de queda. Dentre os acidentados, um em cada 20 acabou sofrendo uma fratura óssea. Já os idosos com 80 anos ou mais, apresentam 40% de queda por ano.
A mobilidade dos mais experientes também pode ser afetada por um problema de saúde comum com o avançar da idade: a osteoporose. Mas o médico do Instituto de Ortopedia e Traumatologia (IOT) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Leonhardt, alerta que a osteoporose por si só não é fator determinante na restrição da mobilidade, mas pode gerar quedas com fraturas, que costumam ter alto teor incapacitante. “Somente 50% dos pacientes que apresentam fratura no quadril, em decorrência da fragilidade óssea, retornam a caminhar normalmente, 30% precisam de algum tipo de auxílio, como bengala ou andador, e 20% não retornam a andar”, afirma o médico.
Estrutura urbana amigável
O aumento da expectativa de vida da população ainda não está sendo acompanhado pela urbanização amigável aos idosos. As cidades precisam adaptar sua infraestrutura e serviços para que eles possam ter uma mobilidade mais segura.
Para a ex-professora de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Julieta Nunes, os centros urbanos ainda contam com muitos empecilhos à mobilidade dos idosos, como calçadas irregulares, baixa sinalização e má conservação dos espaços públicos. “A cidade inclusiva para o idoso precisa ter calçadas com tratamento adequado, evitando desníveis e irregularidades para evitar tropeços e outros acidentes. Os meios-fios e diferenças de nível exigidas para o fluxo de trânsito deveriam ser acentuadas com texturas ou cores fortes. Para travessia segura das ruas movimentadas, seria necessário haver sinalização visível e clara, além de motoristas cuidadosos”, enumera a especialista.
Os obstáculos encontrados no dia a dia em centros urbanos podem até passar despercebidos pelos mais jovens, mas causam grande desconforto para os mais velhos, como Francisca Alves, de 62 anos, que mora na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio. A idosa vende doces e precisa ir a outro bairro comprar suas mercadorias. Dentro da própria comunidade, há uma estação de trem que leva até o seu destino, no entanto, o trajeto não é tão simples assim.
“O trem é muito mais alto do que a estação e ainda tem um vão entre a plataforma e o vagão. É muito difícil para descer ou subir, tenho medo de tropeçar, do meu pé cair no buraco ou de perder alguma mercadoria porque venho com muitas caixas”, relata a vendedora.
No Brasil, assim como dona Francisca, boa parte dos idosos continuam trabalhando. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no final do ano passado, 22,9% da população com 60 anos ou mais estavam trabalhando. Cerca de 7,9% dessas pessoas trabalhavam em espaços nos quais havia mais exposição, como vias ou áreas públicas.
Para os idosos ativos, o transporte público como principal meio de locomoção pode se tornar um fator de risco. De acordo com o estudo “Desafios da Mobilidade Urbana no Brasil”, realizado, em 2010, pelo técnico de planejamento e pesquisa, Carlos Henrique Ribeiro, da Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para serem considerados acessíveis, os veículos precisam apresentar piso baixo, piso alto com acesso realizado por plataforma de embarque e desembarque ou piso alto equipado com plataforma elevatória veicular.
Segundo a pesquisa, como a população brasileira está envelhecendo – em função de fatores como a queda da fecundidade e o aumento da expectativa de vida – um grande desafio social é dotar os sistemas de transporte com características específicas para atender pessoas com dificuldade de locomoção, como veículos sem degraus, calçadas e equipamentos mais acessíveis, pontos de paradas e terminais bem dimensionados e projetados no conceito de acessibilidade universal.
Outra consequência do envelhecimento populacional reflete na tarifa do sistema de transporte público. O estudo mostra que as gratuidades de idosos representam quase 10% do custo da tarifa. “Como não há custeio extra tarifário dessa gratuidade, os usuários de transporte estão pagando por ele, o que torna-se uma grande injustiça social, já que esses usuários, em sua maioria, são de baixa renda”.
Para quem não depende dos coletivos, a mobilidade se torna mais fácil, como para Josefa Gomes, de 68 anos. A dona Zefa, como gosta de ser chamada, mora no Capucho, em Aracaju (SE), e vive passeando de carro com o filho. “Eu saio sempre, mas é com carro próprio. Vou à feira, ao mercadinho, vou para Salgado, porque tenho casa lá. Não ando nos coletivos. Se não tivesse carro, eu não sairia nem de casa”, afirma.
Para quem não tem carro próprio, uma opção é recorrer aos aplicativos de transporte particular, que oferecem comodidade e segurança, pegando e deixando o passageiro no local desejado.
Francisca relata que quando pode usar o transporte por app para buscar sua mercadoria para vender, tem muito mais tranquilidade. “É bem melhor, mais confortável e seguro. Se pudesse, só andava pelo aplicativo”.
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