Jade Sol e Flora Terra Foto: André Fernandes

No livro “Eram os deuses astronautas?” o escritor suíço Erich von Däniken teorizou sobre a possibilidade das antigas civilizações terrestres serem resultados de alienígenas.

Pegando carona na ideia do autor deste clássico da literatura que embaralhou a cabeça de cientistas em 1968, diria eu que a civilização que temos hoje também faz parte deste contexto de abdução e relacionamento com seres que não pertencem a este lugar dos mortais. Num ‘planeta’ longe de todo o brilho das grandes e conhecidas estrelas, os habitantes deste inóspito e esquecido lugar lutam diariamente em torno do básico para sobreviver: como água, energia elétrica, tratamento de esgoto, saúde, comida, casa, escola e transporte. São seres humanos simples, que vivem num minúsculo espaço do planeta terra. Estes seres não têm tráfico de drogas, nem tampouco milicianos para oprimir seu dia a dia. Tudo era tão harmônico entre eles, mas eis que o governo daquele pedaço da órbita quis implodir o planeta deles e mandá-los para outro lugar muito longe das estrelas e de um grande evento que iria acontecer próximo de seu mundo. Imagine você viver num planeta onde tudo lhe falta, onde querem apagar sua existência com a remoção de todas as casas, das ruas e do bar da esquina. E querem fazer de tal modo que nem os deuses vejam o quão vil são os governantes deste planeta maior. E quando você menos espera, um outro planeta passa a orbitar ao seu lado; com luzes, sons estrondosos, roda gigante, uma nave palco e outros palcos imensos. E com isso chegam milhares de seres que você nunca tinha visto; com roupas, gestos e palavras que você não entende. Você sabe que não foi convidado e que pior ainda, você não é bem-vindo à festa.

Foi o que aconteceu com uma poeira cósmica chamada Vila Autódromo, favela – neste planeta tem disso – de Jacarepaguá, ao lado da Vila Olímpica e vizinha imediata da Cidade do Rock que ocupa uma área de 250 mil metros quadrados. A Vila Autodromo é uma favela plana onde vivem entre escombros 192 famílias (cerca de 800 pessoas). Esse número representa cerca de um terço das 583 famílias (cerca de 2.450 pessoas) que, segundo os moradores, viviam na comunidade até fevereiro de 2014, quando o governo municipal começou a desocupar a área. A história da Vila Autódromo simboliza todo um legado de remoções e desapropriações deixado pela organização das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Quem passa por Jacarepaguá e Barra da Tijuca nota, que esta região da zona oeste do Rio, virou um grande canteiro de obras. Este é o espírito olímpico num país desigual.

E lá, neste espaço de luta e resistência vive há 23 anos dois hippies: Sandra Maria de Souza Teixeira (43) e Delto de Oliveira (45). Eles são artesãos. Ela hoje acupunturista e ele massagista. Os dois se conheceram numa feira de artesões, se apaixonaram e decidiram que iriam orbitar no mesmo espaço, constituindo, assim, uma galáxia de estrelas que iria iluminar o planeta amor com o fruto de uma relação harmônica e livre do progresso mesquinho que apaga o brilho de outras estrelas. Eles foram, então, habitar no planeta chamado Vila Autódromo, uma comunidade criada na década de 60 por pescadores. E lá tiveram cinco belas estrelas: Isis Lua (20), Jade Sol (17) Flora Terra (15), Pérola Luz (10) e Hariana (6).

Jade Sol (17) e da Flora Terra (15), moradores da Vila Autódromo. Foto: Caio Ferraz
Flora Terra (15) e Jade Sol (17), moradores da Vila Autódromo. Foto: Caio Ferraz

A ANF recebeu dos organizadores alguns ingressos para serem sorteados entre moradores das favelas. A instituição premiou por meio de mídia social alguns convites e guardou dois para doar à moradores da Vila Autódromo. Eu e o jornalista André Fernandes, fundador da ANF, fomos a busca desta história. Tivemos a grata felicidade de nos deparar com a história de Jade Sol, um jovem de 17 anos, e sua irmã Flora Terra, uma linda menina de 15 anos de idade. Quando perguntamos a eles se eles gostariam de ir no Rock In Rio, eles não titubearam e sorriram. Jade Sol ao saber que iria ganhar o ingresso disse, com os olhos marejados, que desde 2013 vem tentando “entrar” no evento. Disse que ele e uns amigos vêm tentando sem êxito ir num pequeno barco, mas eles sempre são barrados por seguranças. E eles ficavam frustrados. Quando eles receberam os dois ingressos, entraram em transe e correram para trocar de roupa. Estavam tão excitados que sequer deram a nós a oportunidade de perguntar se eles tinham algum dinheiro para tomar um refrigerante e comer algum sanduíche. Volto a realidade que vivi quando fui ao Rock In Rio em 1985 sem um puto no bolso. Eis a mesma fórmula de vigor e alegria que usam os jovens que vêm da zona norte para as praias. Eles querem diversão numa cidade que deveria respeitar e valorizar a diversidade do povo que habita esta órbita que chamamos, ufanicamente, de terra maravilhosa.

Bom seria se os artistas que estão se apresentando no Rock In Rio fizessem da Vila Autódromo um condomínio de casas populares, para que Jade Sol e Flora Terra crescessem com dignidade, assim, quando eles olhassem para o infinito, ao contemplar as estrelas, poderiam dizer obrigado aos deuses do rock.

Foto: André Fernandes
Jade Sol e Flora Terra no Rock in Rio. Foto: André Fernandes.