Segundo dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), somente no primeiro trimestre de 2022, houve um aumento de 390% na procura por procedimentos estéticos, em relação ao mesmo período do ano anterior.
Na pesquisa 1.218 pessoas foram entrevistadas, dessas 80% informaram já ter feito algum procedimento estético, dados que reforçam o pensamento apontado pela biomédica.
Ditadura da Estética: alerta sobre procedimentos para se sentir incluso (a)
“A ideia de alcançar o rosto e corpo perfeito adoece tanto fisicamente, quanto mentalmente”, diz especialistas
Ao longo dos anos foi possível perceber o quanto o conceito de estética mudou e tem evoluído com o passar do tempo. A percepção do que é considerado esteticamente atraente ou desejável é moldada por normas e valores que variam por influências culturais e sociais, de acordo com diferentes sociedades e contextos principalmente econômicos.
Quando trazemos para o centro um assunto como o corpo, os fatores ligados à sociedade e ao econômico estão diretamente relacionados ao que se conceituou de belo, colocando uma carga ainda maior naquilo que definimos como estética.
Anúncios de cosméticos, tratamentos estéticos e procedimentos cirúrgicos são frequentemente veiculados na mídia, prometendo melhorar a aparência e a autoestima das pessoas. Essas mensagens de marketing muitas vezes apelam para inseguranças relacionadas à aparência e podem criar uma dependência dos produtos e serviços da indústria da beleza como uma forma de buscar validação e aceitação social.
Presente nos processos de mudança, a união entre a indústria da beleza e os meios de comunicação ditam não somente os modos de se vestir, mas também a forma de enxergar nossos corpos. Esse processo acaba intensificando a manipulação e a busca incessante pela beleza e pela juventude eterna, induzindo pessoas a recorrer aos tratamentos estéticos da aparência perfeita.
Segundo o pensador Foucault, o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu na sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica. A medicina é uma estratégia biopolítica.
Seguindo essa linha de pensamento, a Dra. Jéssica Magalhães, biomédica com mais de 10 anos de experiência, reforça que a sociedade vive num imaginário de corpo perfeito. “A pressão estética para um padrão tido como “perfeito” é exercida em todos os meios de comunicação. No mundo atual onde o uso de redes sociais é intenso, a pressão exercida por eles também. A ideia de que precisa alcançar o rosto e corpo perfeitos adoece física e mentalmente”, pontua.
A biomédica acrescenta que o período pandêmico também foi responsável por esse aumento na procura de procedimentos, uma vez que as pessoas começaram a se olhar mais, a querer se cuidar mais. “Podemos ver um aumento expressivo na procura após o período de pandemia mundial enfrentado em 2020. Muitas pacientes relatam que passaram a olhar para si após o período e se permitir receber os cuidados para se sentirem bem com elas mesmas”, ressalta Dra. Jéssica.
Conforme dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), somente no primeiro trimestre de 2022, houve um aumento de 390% na procura por procedimentos estéticos, em relação ao mesmo período do ano anterior. Na pesquisa 1.218 pessoas foram entrevistadas, dessas 80% informaram já ter feito algum procedimento estético, dados que reforçam o pensamento apontado pela biomédica.
Os números alarmantes ainda não são suficientes para boa parte da população começar a se interessar em entender os procedimentos a fundo e não de uma maneira superficial. Outro ponto que precisa de atenção, são os fatores que contribuem para as estatísticas de métodos mal feitos. De acordo com a especialista, a estética pode elevar a autoestima com naturalidade.
“Vemos muitos exemplos de procedimentos excessivos a partir de desvios de imagem que são aplaudidos como “bons resultados”. Nenhum deles deveriam estimular a distorção do corpo. Vejo alguns relatos de pessoas que admiram essa distorção e não percebem que já são perfeitas. A estética pode ser aliada para elevar a autoestima com naturalidade, sem criar seres novos”, ressalta a biomédica.
Ela também aponta que existe uma diferença entre homens e mulheres na procura de procedimentos. Dentre os mais requisitados estão a aplicação de toxina botulínica, o famoso botox, os bioestimuladores de colágeno e preenchedores. Além de métodos específicos. “Os homens procuram os mais específicos enquanto as mulheres buscam o cuidado geral do estado da pele e manutenção ao longo do tempo”, acrescenta.
A especialista ressalta que os maiores riscos são os danos irreversíveis, como necrose. É muito importante saber o que lhe incomoda para evitar a escolha de procedimentos para se incluir em algum padrão. “A partir daí, é preciso escolher bem o profissional a partir de formação, conhecimento, resultados, depoimentos e cuidados com biossegurança. Todos eles possuem riscos em sua execução e por isso a profissional escolhida tem que ter conhecimento aprofundado para evitar ou corrigir, quando necessário”, conclui a Dra. Jéssica Magalhães.
No entanto, o crescente mercado de procedimentos estéticos oferece uma ampla gama de opções para mudar a aparência de uma pessoa em pouco tempo. Por trás dos procedimentos estéticos, há riscos significativos, pois, envolvem cirurgias invasivas, injeção de substâncias químicas no corpo e outros processos que podem ter consequências graves e duradouras, causando forte impacto psicológico e emocional para o cliente.
Para a psicóloga Erica Brunelli, “A sociedade impõe uma cobrança sobre o que vem a ser um padrão de beleza. Na busca por essa perfeição, muitas vezes, as pessoas acreditam que vale qualquer sacrifício. Na vivência da pressão para alcançar esses níveis de exigências com a forma física, o desencadeamento de distúrbios psicológicos é frequentemente irreversível, podendo ser letais”.
A psicóloga completa que mesmo diante de toda exposição, os cuidados devem ser levados em consideração não só quando existe interesse em realizá-los, mas também conhecer os profissionais e sobretudo entender os riscos existentes, “A preocupação com a imagem causa impacto disfuncional no contexto emocional podendo resultar na baixa autoestima, transtornos psicológicos como os depressivos e ansiosos e até mesmo transtornos alimentares como bulimia e anorexia. Sintomas do sofrimento emocional se apresentam como rebaixamento do humor, irritabilidade, estresse, cansaço, impaciência, perda de prazer e avolia (falta de interesse) ”, diz Erica Brunelli.
Também é possível considerar que os ditos corpos perfeitos, os chamados “apresentados” tornem-se um modelo político, no ponto em que a sociedade vive constantemente presa a um ideal imaginável, ideia essa que de certa forma obriga as pessoas a aderir um modo de pensar imposto pela sociedade, na expectativa de alcançar a perfeição estética muitas vezes leva a uma busca incessante por mais procedimentos, criando uma dependência emocional e financeira, e contribuindo para a perpetuação de uma cultura de aparência superficial e inatingível.
Por Waldecir Melo
@walmelo_jornalismo