Foto: Stefano Fidalgo
Foto: Stefano Fidalgo
Foto: Stefano Fidalgo

Publicação revela histórias curiosas sobre a comunidade, conhecida como um dos maiores redutos do samba carioca

 

Os moradores da favela da Mangueira, zona norte do Rio, poderão conhecer muitas histórias escondidas sobre suas origens africanas, que vão muito além do samba. A publicação ‘Cartografia das Práticas Culturais Africanas na Mangueira’, produzida pela Arte de Educar e estudantes, reúne relatos, entrevistas e fotos que contam o surgimento da comunidade e resgatam a cultura afro-brasileira na região. O lançamento será no dia 16 de outubro, durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), na Quinta da Boa Vista.

 Em percursos diários a vielas, diferentes localidades e casas da Mangueira, estudantes da Arte de Educar, de 7 a 16 anos, mapearam e entrevistaram personagens que ajudam a contar a história das influências africanas na comunidade.

De acordo com Lolla Azevedo, gestora de projetos da Arte de Educar, o levantamento valoriza a cultura local e aproxima crianças e jovens do aprendizado. “Valorizamos as diferenças e, através delas, criamos os diálogos. Aprendemos com os diferentes. Com nosso trabalho buscamos formar pessoas curiosas, observadores e que possam transformar suas próprias realidades”.

Os estudantes também participaram de rodas de conversas com representantes religiões africanas. “É uma forma de promover diversidade religiosa na educação”, comenta Lolla.

Das benzedeiras às parteiras

Nas pesquisas de campo, os estudantes descobriram que a Mangueira ainda preserva viva uma antiga crença: cuidar de saúde com “benzimento”, uma forma antiga de tratar várias doenças com amuletos, chás, garrafadas e ervas medicinais, usada desde a Idade Média na Europa.

Passando de geração a geração, as rezadeiras, curandeiras e benzedeiras são como guardiãs da memória de uma cultura popular africana que se propaga. Dona Ivanise, conhecida na comunidade como Dona Neném, é quem explica: “Quando a mulher se torna mãe, ela aprende a rezar seus próprios filhos”. Ela afirma que sempre cuidou dos filhos com ervas medicinais, pois aprendeu com sua mãe. Muito procurada e conhecida na comunidade, Dona Neném explica que é curandeira, não rezadeira. “A curandeira não reza, trabalha com as ervas”.

 Já Dona Esmereciana Santos de Sena, 68, além de rezadeira, era também parteira. Mais conhecida como Dona Diara, também aprendeu a rezar com sua mãe e nunca mais parou. Ainda reza e, atualmente, ensina seus dois netos, para que essa atividade não se perca na comunidade.

 Dona Luzia é uma das mais antigas rezadeiras da Mangueira. Com 95 anos, acompanhou o crescimento da comunidade e o desenvolvimento da cidade. Na pesquisa com os estudantes, ela lembrou de uma prática bastante comum realizada quando alguém fraturava pernas ou braços. “Era comum esquentar a clara de ovo e imobilizar a região fraturada com alguns pedaços de bambu e panos embebidos. O tempo de imobilização, segundo ela, variava de acordo com a idade da pessoa. Uma criança de 10 anos, por exemplo, ficava com a tala por 10 dias”, conta.

 Professor Kong: luta pela valorização da capoeira

Carlos Silva, o Kong, é atualmente um dos únicos educadores que propagam a prática da capoeira no morro da Mangueira. Praticante desde 1986, no projeto Re-criança, com o mestre Canguru, Kong treinou com o contramestre Corisco, o mestre Parazinho e atualmente está treinando com o mestre Bahia.

Trabalhando com educação integral na Arte de Educar, há cinco anos, Kong desempenha também um trabalho no condomínio Mangueira 2 com crianças e adultos da localidade, envolvendo capoeira socioeducativa. “A capoeira não é muito valorizada na comunidade”, lamenta Carlos.“Por ser considerada dança e não luta, muitos meninos não se interessam tanto”. Outro preconceito toca na questão da intolerância religiosa e da associação entre capoeira e religiões de matrizes africanas.

Segundo Kong, o estigma sobre a capoeira e ser capoeirista está mudando, com a valorização de algumas práticas culturais africanas, mas ainda há algum preconceito, que atinge não só a capoeira, mas todas as práticas culturais de origem africana.


Inovação do ensino

A pesquisa das práticas culturais africanas na Mangueira foi realizada pelo Núcleo de Memória da Arte de Educar. Nele, são desenvolvidas oficinas de fotografia, vídeo e criação de textos com o objetivo deproduzir reflexões das identidades socioculturaisda comunidade, em diálogo com as demais produções contemporâneas, através do olhar do jovem para a sua realidade.

Em 2013 e 2014, as pesquisas de campo foram desenvolvidas também em diálogo com experiências de dois parceiros: a EMOP (Empresas de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro), responsável pelas obras a serem realizadas no PAC 2, e um grupo da Argentina que visitou a Arte de Educar, o Fronteras Migrantes.

               Além da publicação ‘Cartografia das Práticas Culturais Africanas na Mangueira’, a Arte de Educar também fez um mapeamento socioambiental dos desafios encontrados e um                      vídeo das tecnologias populares encontradas na favela.

 

 Foto: Stefano Fidalgo

Foto: Stefano Fidalgo