Nesta quarta-feira (28), dezenas de pessoas organizaram uma manifestação em frente ao Fórum Desembargador Enéas Marzano, centro de Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, cobrando justiça pela morte do dançarino Matheus Bruno dos Santos Cardoso, de 23 anos. O ato foi organizado pela família do artista, que foi morto com três disparos de fuzil, sendo dois no peito e um na região do ombro, na tarde de 19 de dezembro.
Além de ser dançarino, Matheus era cuidador de pet no bairro de Icaraí, zona Sul de Niterói. Também participava da websérie Sem Ocupação, que tem mais de oito milhões de inscritos. No primeiro vídeo, teaser da série, Matheus aparece com uma arma de airsoft, que tem sido usado para argumentar que o jovem teria envolvimento com o tráfico de drogas e, com isso, justificar a sua morte.
A família alega que a Polícia Militar (PM) deu os tiros que mataram o jovem. Seus parentes afirmam que Matheus não tinha relação com o crime e nem passagem pela polícia. Só teria sido morto por ser negro.
Grito por justiça
Cláudia Alexandre, 52 anos, servidora pública e sogra do jovem, informa que não havia tiroteio na região na hora do ocorrido.
“Nós estamos aqui para exigir que o Estado faça uma reparação pois, para além de tirar a vida do meu genro, ainda o apresentam para a sociedade como bandido, matando-o uma segunda vez”, diz Cláudia Alexandre.
A Polícia Militar, no entanto, informa que uma equipe do Grupo de Ações Táticas (GAT) foi até o local após receber denúncia. Haveria um suspeito armado assaltando nas proximidades. Durante patrulhamento na Avenida João Brasil, o jovem foi assassinado na Travessa Otto, que fica na região.
Versão oficial
Segundo os agentes, ao entrarem na Travessa Otto, avistaram cinco homens armados com pistolas. Eles abriram fogo contra a guarnição, e os agentes teriam sido obrigados a revidar. Ao avançarem pela comunidade, encontraram o Matheus baleado, ainda com vida, no chão.
O jovem foi foi socorrido, depois de ao menos uma hora, segundo os parentes. Ele deu entrada no Hospital Estadual Azevedo Lima, no bairro vizinho do Fonseca, ainda com vida. Mas não resistiu aos ferimentos.
Cadê as câmeras?
Outra solicitação da família é que a PM utilize as câmeras no uniformes dos agentes que fazem operações nas periferias com intuito de inibir os excessos de alguns maus policiais.
No entanto, ainda na segunda-feira, 19 de dezembro, dia em que Matheus foi morto, o Governo do Rio de Janeiro recorreu de uma decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão estabeleceu prazo de cinco dias para se apresentar o cronograma de instalação dos aparelhos de vigilância nas fardas e viaturas da polícia fluminense.
O Governo alega questões técnicas que dificultam a instalação para os chamados batalhões convencionais, e reconhecem que não há previsão de cronograma de instalação nos Batalhões Especiais, Bope e Core.
Manifestação
Joanna Raphael, 63 anos, educadora e militante da Educafro, uma rede de cursos preparatórios de negros e periféricos ao ensino superior, esteve no ato.
“A demanda trazida é justa, porque o rapaz não era criminoso e a mídia noticiou que sim. É por isso que a Educafro tem militado em todo território nacional, para fortalecer a demanda popular e buscar apoios para que se cumpra a lei para uso de câmeras nos uniformes das polícias, com objetivo de se combater os desvios e proteger os moradores de favela”.
Joana entende que as câmeras não irão acabar com os atos criminosos, mas podem servir para inibir os maus agentes.
Milla Neves, 27 anos, produtora cultural do Palácio das Artes, grupo periférico, demonstrou bastante revolta com a morte do jovem Matheus.
“Mais um, né? Há dois anos atrás, fizemos um ato pela prisão de três jovens, por identificação fotográfica, nesta mesma época, aqui em Niterói. Três inocentes. E agora, uma execução, onde a PM utiliza a imagem de uma Websérie para argumentar que o jovem era bandido.”
Milla, que é militante do grupo Vidas Negras importam, entende que o grande objetivo da manifestação é abrir um diálogo real da sociedade niteroiense com a polícia, para que esta dê resposta efetivas sobre os responsáveis não só desta morte, mas de tantas outras.
” É importante que a gente cobre o uso das câmeras nos uniformes para não só punir os policiais, mas trabalhar todo o sistema e assim diminuir a letalidade e prisões ilegais que estão acontecendo, já que temos registros que em outras regiões do Brasil houve melhoras significativas com a adoção deste método”.
Benny Brioly, 31 anos, vereadora de Niterói, defende que esta morte é mais uma expressão do racismo estrutural, que é o “Estado de barbárie genocida”. Ela é a primeira vereadora transexual da cidade.
“O Brasil tem uma lógica racista que coloca o corpo das pessoas negras, principalmente da juventude preta e periférica, sobre alvo de marginalização”.
Segundo ela, “o Estado precisa dar uma resposta para esse crime, assim como precisa dar uma resposta para todas as evidências que são nítidas e concretas do extermínio da juventude preta, pobre e periférica no Brasil”.
Crystal Carvalho de Souza, 26 anos, tatuador e morador do Morro do Palácio, zona sul de Niterói, também participou da manifestação. Ele testemunha o temor que sente em ser um jovem negro e periférico.
“Todo dia subo e desço a favela preocupado se a polícia vai passar. Se a polícia vai me confundir. Eu não quero ver minha mãe chorar, minha família chorar… Poderia ser minha família aqui.”
Ele relata que “outros jovens negros voltando do trabalho foram vitimados e essa reivindicação de se instalar as câmeras nos uniformes dos policiais é uma forma de fiscalizar o trabalho da polícia, que é extremamente racista”.