Familiares relembram 24 anos da Chacina de Vigário Geral

Arte de divulgação da campanha que relembra os 24 anos da Chacina de Vigário Geral. (Créditos: Divulgação)

Uma dor estampada em outdoor: foi assim que parentes dos mortos na Chacina de Vigário Geral decidiram relembrar os 24 anos de uma das mais tristes páginas da história do Rio de Janeiro. Dois painéis de mídia externa foram instalados pela Associação dos Familiares das Vítimas de Vigário Geral na Zona Norte do Rio, numa forma de não esquecer a noite em que 21 moradores foram brutalmente assassinados por um grupo de extermínio na favela.

Outdoor instalado na Avenida Bulhões Marcial, em Vigário Geral. (Créditos: Divulgação)
Outdoor instalado na Avenida Bulhões Marcial, em Vigário Geral. (Créditos: Divulgação)

A ação faz parte da campanha “Ajude o Rio a ser um mar de esperanças”, que pretende promover a paz na cidade. Os outdoors estão instalados na Avenida Bulhões Marcial e na Avenida Maracanã e remontam os grandes atos vividos na cidade, como a Caminhada Pela Vida e Pela Paz, em que moradores, familiares e ativistas andaram mais de 20 km de Vigário Geral até a Candelária, levando 21 caixões de madeira em alusão aos trabalhadores vítimas da chacina.

“O objetivo é mobilizar a sociedade e cobrar do governo ações concretas de integração da cidade na área de segurança e serviços básicos”, explica Cristina Leonardo, advogada das vítimas que acompanha o caso desde o início.

 

‘Meu marido não pôde desfrutar da alegria de ver seus filhos formados’

Era madrugada em 29 de agosto de 1993 quando um grupo de policiais à paisana invadiu a comunidade. Os autodenominados Cavalos Corredores, envolvidos anteriormente também na Chacina de Acari, invadiram casas e executaram moradores a tiros para vingar a morte de quatro PMs por traficantes na noite anterior, que com frequência extorquiam quem vivia ali e recebiam suborno da boca de fumo local.

O cenário foi de total barbárie. Os assassinos metralharam a esmo trabalhadores que voltavam para casa do serviço e todos os trailers de comida em uma das praças da favela. Eles ainda jogaram uma bomba dentro de um bar depois de atirarem na cabeça do proprietário. Oito pessoas de uma mesma família, todos evangélicos, também foram mortas dentro de uma casa.

Os crimes chocaram o país e geraram um importante movimento social, que conseguiu abrir o diálogo com as autoridades na discussão da segurança pública e impulsionou a criação de diversas organizações de luta pelos direitos humanos, como a Casa da Paz, criada pelo sociólogo e então morador de Vigário Geral Caio Ferraz e que funcionou por alguns anos no imóvel onde os oito evangélicos foram assassinados.

Quase duas décadas e meia depois, a Chacina de Vigário é também um dos retratos da impunidade dos crimes cometidos por policiais no Brasil. 59 pessoas foram acusadas pelos crimes. 13 policiais foram expulsos da corporação alguns meses após o massacre, mas apenas sete do total foram condenados. Hoje, só um ainda se encontra preso e outro, Leandro Marques da Costa, o Bebezão, está foragido há anos.

A presidente da Associação dos Familiares das Vítimas de Vigário Geral Iracilda Toledo encontrou força na família para superar a dor de perder o marido na tragédia. O ferroviário Adalberto de Souza havia saído de casa naquela madrugada para comprar cigarros no Bar do Caroço, um dos palcos da chacina. Nunca mais voltou. Atualmente, Iracilda é avô de três netos, todos nascidos no trágico mês de agosto. O caçula completou 4 anos ontem, 28. “Perdi meu grande marido, grande pai. Infelizmente, ele não pôde desfrutar da alegria de ver seus filhos formados, casados e já com família. Tenho três netos. O primeiro, quando aconteceu a chacina, estava com seis meses”.

A viúva se tornou uma militante dos direitos humanos e lidera o grupo de parentes que batalhou contra a impunidade e obteve uma grande vitória. A Associação dos Familiares das Vítimas de Vigário Geral conseguiu a derrubada no Código Penal do chamado crime continuado, em que réus envolvidos em vários assassinatos eram julgados por um único crime em vez de serem responsabilizados por cada uma das vidas ceifadas.

Hoje, muitos pais, mães e esposas dos mortos são idosos, mas o desejo por justiça e a vontade de evitar que outros massacres como este se repitam ainda lhes dá forças para lutar. “Todo ano, temos a incumbência de mostrar para a sociedade que nós estamos aqui. Ainda sentimos nossa dor. E essa dor é contínua. (Durante) o tempo em que eu estiver viva, eu vou lembrar. A dor não passa, a violência continua, mas eu tenho um legado”, resume Iracilda, aos 60 anos.