Um mês após a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretar a pandemia da Covid-19, o Comitê dos Povos de Alagoas, que luta por direitos no estado, em parceria com os moradores das Favelas Muvuca, Mundaú e Sururu de Capote, todas na região lagunar, criou a Farmácia Viva. Hoje, nos espaços antes ociosos, o verde e a saúde se fazem presentes.
Curcuma, gengibre, hortelã das folhas miúda e grande, boldo, manjerona, manjericão, caruru, cajuru, ora-pro-nóbis, moringa, merthiolate, boldo do chile, anador, menta, jambu, camomila, terramicina, citronela, capim cidreira/limão. Essas plantas medicinais começaram a fazer parte da vida de nove mil pessoas que vivem às margens da Lagoa Mundaú, no bairro Vergel do Lago, parte baixa da capital alagoana.
O projeto foi posto em prática no final de abril para contribuir com o aumento da imunidade no período de pandemia, amenizar sintomas de síndromes virais e também promover o resgate sobre a cultura e os saberes populares vindo das ervas e plantas. Atualmente, de acordo com Samuel Scarponi, integrante do Comitê, são seis farmácias espalhadas pelas comunidades e com um vasto elenco de medicamentos distribuídos gratuitamente. “A maioria das pessoas que reside aqui veio do campo. Elas já tinham o hábito das plantas medicinais, investiam em expectorantes e em antigripais naturais que podem influenciar na imunidade. A ideia é, antes de tudo, contribuir para a melhoria das condições do corpo, principalmente nesta pandemia”, pontuou Samuel Scarponi.
Para iniciar a instalação das farmácias, moradores cederam seus terrenos, apoiaram a ideia e colocaram, literalmente, a mão na terra. Estão sendo promovidos, desde então, mutirões com a comunidade, de forma voluntária, para plantar as mudas e sementes doadas. “Nós começamos o projeto com uma conversa sobre a importância desse espaço e o pessoal ajudou e apoiou na hora. Quando alguém percebe que o corpo está sinalizando uma possível gripe já faz um chazinho para fortalecer o sistema imunológico, por exemplo. Sabemos que ainda não há cura para o novo coronavírus, então temos que nos proteger ao máximo”, ressalta Scarponi.
A rezadeira da comunidade e líder espiritual, dona Cícera Maria, 59, lembra que logo que as informações sobre a gravidade da pandemia chegaram, muitas pessoas ficaram assustadas com o que poderia acontecer. “Logo no começo foi bem difícil. Aí depois a gente foi tirando do nosso próprio espaço o tratamento para quando alguém adoecia ou sentia que ia adoecer. Por aqui, eu já tinha o trabalho como rezadeira e já conhecia o poder das plantas. Hoje as pessoas não só da Muvuca como das outras favelas me procuram mais porque agora tem de tudo: plantinhas que servem para febre, bronquite, dor de cabeça e para todos os males do corpo e da alma”, afirma.
A despenicadora de sururu Ehliane Ilza, 43, conta que desde o início da pandemia tanto ela quanto a sua família têm utilizado as ervas medicinais disponíveis na Farmácia Viva. “A receita mágica é a Curcuma. Eu a corto picadinha, coloco dentro de um copo e coloco também gengibre que é da mesma origem. Depois separo um dente de alho, acrescento três gotas de própolis, limão e coloco água morna. A gente tem tudo de graça aqui, a gente mesmo planta, cuida e colhe quando percebe que a raiz está pronta para nos servir”, pondera.
O vice-presidente do Conselho Regional de Farmácia de Alagoas (CRF-AL), Alexandre Correia, diz que esse tipo de iniciativa é positiva, uma vez que traz melhorias para a saúde e desperta a responsabilidade ambiental. “Nós sabemos o potencial que as plantas têm para várias doenças. Os brasileiros, de modo geral, já lidam com a fitoterapia. Eu vejo também que além da diminuição dos produtos industrializados, há toda uma responsabilidade com o meio ambiente, criando também uma outra cultura”, explica.
Correia chama atenção ainda para o cuidado que as pessoas têm que ter ao manipular as ervas, plantas e raízes naturais. “Não é porque elas são naturais que não podem causar um problema quando manipuladas. Então, é preciso sempre ter um auxílio de pessoas que entendam do tempo de colheita, o princípio ativo, o solo que a raiz foi plantada para não haver nenhum risco à saúde com os efeitos colaterais, ao exemplo de alergias”, aconselha o farmacêutico.
A nutricionista e pós-graduanda em nutrição esportiva e funcional pela Faculdade Integrada de Patos (Unifip), Júlia Nogueira, explica que essas plantas podem, de fato, ajudar, mas que esse fator por si só não é capaz de definir a imunidade. “A iniciativa é muito boa e contribui muito com os nutrientes, mas quando falamos em imunidade temos que entendê-la como um conjunto de fatores. Se eu não dormir bem, se eu não me hidratar, comer bem, não vai surtir efeito”, alerta a nutricionista.
Como ajudar a Farmácia Viva
Para contribuir com a construção das farmácias com a doação de ervas e plantas medicinais, basta entrar em contato pelo número (82) 98761-3770.
Esta matéria foi produzida com apoio do Fundo de Auxílio Emergencial ao Jornalismo do Google News Initiative: https://