Favela Rouge + 10 espetáculo chega ao palco do Teatro Glaucio Gil

Créditos: Rodrigo Menezes

O elenco do espectáculo em sua maioria são da Vila Cruzeiro

O espetáculo “Favela Rouge”, que estreou em 2010 trazendo a favela e seus artistas – quase todos de Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio de Janeiro – em clima de cabaré contemporâneo e teatro de revista, ganha agora uma versão documental: o “Favela Rouge + 10”. Na verdade, já se passaram 12 anos, mas é que a peça estava sendo produzida quando veio a pandemia e adiou sua estreia.

Agora o teatro-documentário chega ao palco do Teatro Gláucio Gill, em Copacabana, onde ficará em cartaz de 7 a 10 de abril. O espetáculo contemplado pelo Edital Montagem Teatral da Funarj segue depois para o Teatro Arthur Azevedo, em Campo Grande, para outra minitemporada entre 14 e 17 de abril.

“A pandemia invadiu a dramaturgia. Estamos fazendo um exercício de confundir os tempos. A Festa da Penha, bairro onde cresceu a Vila Cruzeiro, foi onde aconteceram grandes celebrações pelo fim da pandemia da gripe espanhola em 1919, junto com o carnaval daquele ano. A história se repete e estamos vivos para a nova celebração. Nosso espetáculo vai lembrar isso ao público”, destaca Fabiano de Freitas, o Dadado.

Reflexões e questionamentos sobre a deterioração da Cidade

O “Favela Rouge” original tomou emprestada parte do nome do cabaré mais famoso do mundo – o Moulin Rouge, de Paris – para fazer uma crônica do momento que precedeu o movimento de pacificação nas favelas.

Já o “Favela Rouge + 10” traz questionamentos sobre a deterioração da cidade, do país e do mundo, fazendo reflexões acerca de como o tempo age sobre uma obra de arte e a própria condição do artista, sobretudo o artista periférico.

O fato de parte do elenco da primeira montagem não ter seguido o caminho na arte diz muito sobre esse impacto do tempo.

“Não é fácil, nem possível viver de arte para quem nasceu na favela. O espetáculo faz justamente a reflexão sobre o lugar da arte. Arte para quem? Com quem? Quem pode ser artista? Esse é um importante questionamento desta montagem”, explica Maurício Lima, ator e produtor do espetáculo.

Histórico

“Favela Rouge + 10” é uma peça de teatro-documentário que revisita, dez anos depois, a montagem de “Favela Rouge”, um espetáculo que surgiu do encontro entre jovens artistas da Vila Cruzeiro, favela do subúrbio do Rio de Janeiro, com o diretor Fabiano Dadado de Freitas.

“Favela Rouge” teve sua estreia internacional na cidade de Hereeven, no norte da Holanda, em janeiro de 2010, realizando uma turnê por 11 teatros em diversas cidades da Holanda e da Bélgica. No Brasil, estreou na primeira edição daquele que se transformaria em um dos mais importantes festivais internacionais do país, o Tempo Festival, no Rio de Janeiro.

Era um cabaré com 13 artistas em cena, entre atores, bailarinos e uma pequena orquestra convidada, que naquele momento ousava uma transgressora montagem de um musical contemporâneo, em que o protagonismo era dos corpos negros e suburbanos, suas vivências, a cultura formadora do que se entende como a favela e outras dissidências.

Tratava-se de um momento anterior ao processo conhecido como “pacificação”, projeto de ocupação dos territórios das comunidades pelo Estado – principalmente por meio da força policial, bastante espetacularizada pela grande mídia –, hoje já falido.

E também em um momento em que as favelas dos Complexos da Penha, onde se situa a Vila Cruzeiro, e as do vizinho Complexo do Alemão atravessavam o ponto mais crítico do processo de estigmatização das comunidades cariocas por causa do assassinato do jornalista Tim Lopes.

“Favela Rouge” foi um experimento de teatro contemporâneo, feito em uma comunidade para qual toda a sociedade olhava como potencialmente perigosa, o que se estendia a seus moradores.

A produção artística da favela

Mas ainda que esse fosse um tema atravessador, o eixo principal da proposta era outro: os deslocamentos estéticos a partir da linguagem do teatro, investigando que peculiaridades a ideia de “favela” produz artisticamente – o corpo, o texto, a musicalidade e a sonoridade do artista com foco deslocado para a periferia e para o subúrbio.

Em 2008, o diretor Fabiano Dadado de Freitas realizou uma série de audições com mais de 200 artistas da comunidade; e foram selecionados dez que, durante cinco anos, passaram por uma série de atividades de formação e pela criação de espetáculos. Para a maior parte deles, foi a estreia na cena. Hoje, passados 12 anos da estreia de Favela Rouge, alguns permaneceram se expressando como artistas e outros seguiram outros caminhos.

Mas, em “Favela Rouge + 10”, atores e não atores encontram-se em um novo experimento cênico exploratório: quem são eles e elas dez anos depois? Mais maduros e com uma bagagem carregada de outras experiências, voltam todos e todas à cena para repensar e criar um novo discurso sobre a vida, já não mais restrita à velha dicotomia asfalto-favela, mas refletindo sobre as fronteiras além das territoriais.

“Voltar para ‘Favela Rouge’ é expandir as fronteiras da periferia, as franjas da cidade e, portanto, refleti-la na sua contemporaneidade. Voltar a uma obra de arte para pensar o tempo presente, confundindo os tempos, e rascunhar, sob a ótica da crítica artística, alguma ideia de futuro”, explica Dadado.

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