Uns dos elementos primordiais do controle social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e econômicas.

No Rio de Janeiro, cidade que alguém já chamou de “partida”, se pode sentir sempre uma linha tênue de convivência do que se chama de “cidadãos do asfalto” e ‘nós do morro” isto é, os moradores nas comunidades carentes. Carentes de infraestrutura, de dinheiro e de preocupação dos políticos para com eles e elas.

A estratégia da distração se dá ai: enquanto as elites políticas e econômicas exploram indistintamente moradores das duas cidades partidas do Rio, a do morro e a do asfalto, em nível maior ou menor, para estes e aqueles.

O processo de demonização e isolamento das zonas periféricas no Rio de Janeiro não é algo recente. Historicamente o sub-urbio, ou seja, aqueles pertos do centro de poder, da urbe, menosprezando aqueles que ficam longe.

Segundo a pesquisadora Vera Malaguti Batista, o Rio de Janeiro do século XIX era uma cidade africana. A autora nos diz que a cidade do Rio e os motivos que fizeram com que o Estado adotasse políticas extremamente intolerantes e direcionadas aos negros e aos seus locais de habitação “A questão é que a entrada maciça de africanos na cidade, entre as décadas de 30 e 50, transformou a mui leal e heroica cidade do Rio de Janeiro num palco de vigorosos embates em todos os níveis, evocando medos, suspeitas, violências e resistências”.

Nesse sentido, segundo a criminóloga, a atitude de separação e  suspeita carregam um forte conteúdo de seletividade e estigmatização, antes para o negro, hoje para o favelado, morador de comunidade.

No espaço público, há uma tendência a se evitar confrontos, porém nos subterrâneos sociais, no espaços privados, longe das luzes do politicamente correto,  ocorre uma demonização velada por parte de alguns moradores do “asfalto” e o isolamento das favelas do Rio de Janeiro produziram um efeito perverso associando tal ritmo ao crime e estigmatizando  toda produção cultural dos pobres.

 “SHHHHH! Não se fala nisso, é politicamente incorreto!” É o que se lê ou se ouve em algumas conversas nas ruas, ou mais recentemente nas redes sociais na internet.

Infelizmente tive acesso a uma dessas conversas e fiquei altamente indignado com seu conteúdo. Vejam só o teor do diálogo:

Usuário X:… “esquece o politicamente correto e entre para o projeto “se essa rua fosse minha”. 
Este é um projeto afiliado ao “favela-bairro”, e funciona assim: você adota uma rua de uma favela para que possam ladrilha-la com pedrinhas de plutônio, urânio e césio. Assim, a população irá ser esterilizada e morta aos poucos pela radiação. E a noite o morro ficará brilhando, em um lindo espetáculo visual
!

Usuário Z “Não adianta matar,! Tem que cortar o mal pela raiz! ESTERILIZAÇÃO UNIVERSAL!

Usuário Y “Putz! onde se faz o cadastro para o projeto “se essa rua fosse minha”?????????? Quero apadrinhe 4 ruas!!!!!!!!! Uhuuu!
Usuário T:”Eu quero apadrinhar uma avenida, e quero um busto meu celebrando meu ato de filantropia!

Achei os comentários preconceituosos demais: primeiro porque não sabem como é a vida em favela. È sofrida, difícil, mas solidária, honesta, e tem seus momentos de alegria. A música, a poesia do Samba e do Funk estão ai para provar e registrar esses momentos. Segundo que acham que só porque se é favelado se tem mau gosto ou é burro. Sou crescido em favela, no Complexo do Alemão, no Morro da Baiana, professor de inglês, e estou para concorrer a um mestrado em Educação.

Todos os meus amigos que vêm de outros países ficam admirados com a beleza plástica e a opção arquitetônica popular das favelas do Rio. Somente o nosso “complexo de vira-latas” não permite perceber isso. “nascer e crescer em favela não é sinônimo de ter mau-gosto ou ser burro”. Ser preconceituoso, sim, é sinônimo de ter mau-gosto ou ser burro. Propor esterilização social (algo que já acontece, se se vê os dados do SUS) é algo que Hitler e Gobles propuseram para várias etnias e grupos sociais. Pobreza de espírito e de informação em todas as camadas, como acabo de confirmar com esses comentários.

Os comentários que li e que poupo os cinco leitores deste texto, estavam com um forte recheio de misantropia. A (des)consideração à “procriação dos favelados”  (sic) era a tônica das pessoas que discutiam comigo no fórum dessa rede social, que é um livro de rosto aberto para todos.

Um discurso desmerecedor das comunidades do Rio de Janeiro, dizendo, por exemplo, que: “A favela não é bela e nunca será… Nem que Picasso reencarne e a pinte de neon!”
como diz a matéria do jornalista André Fernandes “Favelas ou Comunidades?  “Favela é favela e caso aconteça de um dia deixar de ser favela, como querem alguns, não será porque os governantes são bonzinhos, mas porque houve muita cobrança por parte de vários líderes, que deram suas vidas para que hoje elas tivessem as melhorias que estão recebendo.”

Eu que sou cria de duas das mais pobres e lutadoras regiões do país, sendo nordestino de origem e morador de favela, digo com muito orgulho: a favela tem muito que ensinar, e muito mais a mostrar: estão ai vários personagens históricos e elementos culturais que não me deixam mentir. Chamo a lembrança do Jongo, do Mestre Darcy do Jongo, do samba de Cartola, de Martinho da Vila, e de tantos outros, que fizeram e  fazem a vida cultural da cidade do Rio de Janeiro percorrer o mundo.

Claro, a favela também tem também muito que melhorar: em Educação, em infraestrutura, em renda e em empregabilidade. Mas nunca “ladrilhá-la com pedrinhas de plutônio, urânio e césio. Assim, a população irá ser esterilizada e morta aos poucos pela radiação.” Isso quem gostaria de fazer talvez fosse um Hitler ou um filhote dele.

Se caso você deparar em alguma rede social, ou conversa na rua com alguém com comentários como esses, denuncie, grite. Este país, esta cidade não pode, nem deve mais tolerar mais tais tipos de preconceitos.

Max Laureano – Professor de Inglês, tradutor  escritor.