Em 1996 comecei a trabalhar no SEBRAE-RJ no balcão que foi aberto na favela da Rocinha; lugar onde nasci e me criei. Foi a partir daí que comecei a ter contato com o termo “empreendedorismo”, que pode parecer estar distante da realidade das pessoas que se viram para poder sobreviver, mas em minha opinião é parte constitutiva do fazer diário de cada pessoa que tem um negócio por conta própria; este é um autêntico empreendedor.

Viver numa favela já é um empreendedorismo. Para empreender numa favela tem que ser alguém criativo e inovador, pois o ambiente de negócios e as oportunidades, dependendo da localização geográfica da favela, podem ser boas ou ruins. Não vou entrar aqui na discussão sobre empreender por oportunidade ou por necessidade, pois do meu ponto de vista esta dicotomia ou maniqueísmo não ajuda a compreender os motivos que levam alguém a empreender e abrir um negócio próprio. Seria muito simples caracterizar o empreendedor da favela como alguém que empreende só por necessidade. É preciso um mergulho mais profundo ou olhar para o horizonte na busca de mais detalhes.

Mas minha experiência me leva a observar o que acontece no dia a dia em várias favelas na cidade do Rio de Janeiro, na busca de entender como as pessoas conseguem abrir um negócio muitas vezes da noite para o dia. E mais ainda, como estas pessoas conseguem sobreviver sem acesso a crédito formal, informação e orientação, capacitação, formalização… São nestas condições que a maioria dos empreendedores nas favelas tem iniciado e mantido seus negócios.

Meu trabalho pelo SEBRAE-RJ tem me proporcionado conhecer muitos empreendedores, e pessoas que começaram do nada. Coordeno o trabalho do SEBRAE em algumas das favelas em processo de pacificação, por exemplo: Rocinha, Alemão/Penha, Providência, Vidigal… Em cada uma delas o ambiente de negócios é diferente e os empreendedores tiveram que encontrar ou criar soluções para abrirem e sustentarem seus empreendimentos. Este desafio de permanecer no mercado aumenta com a possibilidade de novas empresas e empreendedores se instalarem nas favelas pacificadas. A concorrência aumenta, e o empreendedor local se vê diante de uma realidade que até então ele desconhecida. Isto é, a formalização dos negócios e das relações passa a ser uma exigência do mercado local e global.

Em algumas destas favelas com UPP, o ambiente de negócios é diversificado e possibilita a formação de redes de serviços e de vendas de produtos no interior e para fora delas. Algumas são mercados promissores e de interesse de grandes empresas privadas: bancos, distribuidoras de bebidas, lojas de eletro domésticos, operadoras de telefonia e TV a cabo… Porém estas favelas precisam de uma política pública que potencialize este ambiente de negócios para os pequenos empreendedores locais, fato é que, a quase que exclusão destes territórios da cidade formal causou um passivo enorme, que vamos precisar de um tempo para ajustar as diferenças e desigualdades de oportunidades para que estes negócios possam prosperar, gerando mais renda e trabalho para os moradores locais.

Estamos diante de uma oportunidade histórica sem precedentes na história do Rio de Janeiro, logo, temos a necessidade de promover maior cidadania para todos, ampliar a participação dos moradores de todos os lugares aos bens da cidade e ao seu planejamento sustentável. Devemos ser empreendedores na construção de uma cidade mais democrática e republicana.

José Luiz de Souza Lima: Historiador e mestre em sociologia.