Por André Fernandes
Certo dia, fui conversar com uma pessoa de um excelente poder aquisitivo, que falou que gostaria de investir na Agência de Notícias das Favelas. Em nossa conversa ela falou que adoraria investir, porém o nome de nossa organização não deveria ser esse, pois ela achava pejorativa a palavra FAVELA. Lógico que neguei a possibilidade de mudarmos o nome de nossa organização e explicamos que essa palavra é utilizada mundialmente, que havia morado e trabalhado por quase duas décadas em várias favelas no Rio e que tínhamos a missão de democratizar a informação das favelas e seguiríamos em frente.
Tenho observado há muito tempo que a elite e a grande mídia tenta chamar as favelas de comunidades e isso me traz uma grande indignação, pois do meu ponto de vista, isso nada mais é que uma tentativa de descaracterizar a favela e amenizar a situação de pobreza extrema que vive nossa cidade. Lembro sempre, para os que estão chamando as favelas de comunidades, que os condomínios de luxo, que essas pessoas que estão tentando descaracterizar essa nomenclatura moram, são comunidades. Sim! Os condomínios de luxo ou prédios na Barra, Leblon e Ipanema, constituem comunidades, porém não são favelas. Favela é favela e comunidade é comunidade! Favela é favela e caso aconteça de um dia deixar de ser favela, como querem alguns, não será porque os governantes são bonzinhos, mas porque houve muita cobrança por parte de vários líderes, que deram suas vidas para que hoje elas tivessem as melhorias que estão recebendo. Talvez alguns fiquem no meio termo. Hoje por exemplo, vi que Itamar Silva, do Santa Marta, pessoa que admiro por ser um desses líderes que lutaram pela favela, concorreu em um edital com um projeto denominado VOZ DO MORRO. Justo!
Chamar 44 favelas de ex-favelas é uma conversa para quem não tem conhecimento do assunto e que vai engolir isso ou talvez para amenizar a situação da Cidade Maravilhosa, para recebermos melhor os turistas que virão. Talvez exista a hipótese de que alguém queira receber os louros de ter transformado 44 favelas em bairros, ou comunidades, como insistem em chamar. O fato é que favela é favela e quando a favela tiver tudo que os demais locais da cidade, como Ipanema, Barra e Leblon tiver, não vai deixar de ser favela, porém pode mostrar para o mundo que é possível mudar, que conquistamos o respeito por termos lutado, por que a VOZ DA FAVELA se fez ouvir. Assim seremos exemplos para outras favelas, que estão espalhadas por todo o mundo.
Faço aqui uma indagação, se são ex-favelas, o pressuposto seria o poder público presente, sem intervenção de tantas ONGs, com serviços públicos como em qualquer bairro e pelo que parece, as informações não estão batendo, se não, porque o Secretário de Segurança José Mariano Beltrame, segundo matéria de hoje no jornal O GLOBO, está tão preocupado. Aliás, foi ele mesmo que falou que não pretende acabar com o tráfico através das UPPs e sim devolver à população o direito de ir e vir, ou seja, está ainda longe de pensar, mesmo que eu concordasse com isso, em chamar essas favelas de ex-favelas.
Mike Davis em seu livro PLANETA FAVELA relata muito bem a realidade em que estamos inseridos e fica a sugestão de leitura para quem quiser se aprofundar sobre o tema. Nossa organização, que continuará com esse nome, também continuará sua missão de democratizar a informação da favela, a partir principalmente de seus moradores, para que os melhores exemplos do que for noticiado, possam ser seguidos e assim possamos construir um mundo melhor.
*Jornalista, fundador e diretor da ANF – Agência de Notícias das Favelas