“Você deu sorte se teve um pai pra te buscar na escola, pra te por no ombro, te ensinar a jogar bola”. O trecho da música “Depósito dos rejeitados”, do rapper Eduardo Taddeo, mostra uma realidade lamentável do Brasil: o abandono parental.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2015, constatou-se no Brasil mais de 1 milhão de famílias compostas por mães solo, em um período de 10 anos. Só no estado de São Paulo, há 750 mil pessoas, de 0 a 30 anos, sem o nome do pai no registro. Junto com o estado do Rio de Janeiro, formam o topo do ranking do abandono paternal.
Trata-se de realidade extremamente presente e pouco debatida, porém, herança da miscigenação do país colonizado, podendo ser uma das formas mais palpáveis de buscar a origem da cultura do abandono paterno. A sociedade brasileira foi fundada, de um modo geral, a partir do estupro praticado por portugueses contra mulheres negras e índias. Assim, as crianças nascidas eram consideradas “Zé ninguéns” (termo cunhado por Darcy Ribeiro).
Na ausência do pai, as mães fazem dupla função. Aquelas que estão inseridas no mercado de trabalho têm mais um desafio a enfrentar: a dupla jornada.
Mãe solo por viuvez
Numa tarde ensolarada, o brilho refletia no sorriso de uma mulher cheia de alegria, no alto do morro, localidade conhecida como Capão, no Complexo do Alemão. Elena Brito Martins, 65 anos, ficou viúva em 1988, quando tinha 36 anos, e teve a missão de criar cinco filhas sem o apoio paternal. Mãe de Arlene, Ângela, Edilene, Amara e Míriam, não se abateu perante as adversidades e conta que as filhas foram sua maior motivação para seguir em frente. Trabalhou como auxiliar de encadernação, doméstica, copeira, mas, temente a Deus, não lhe faltou fé e apoio da igreja e hoje, contente, diz que colheu os frutos que plantou. Com a falta de saneamento básico, precisava carregar água, muitas vezes cansada, até seu domicílio. Quando uma das filhas se queimou e ela precisou ficar 11 dias no hospital, não foi o suficiente para a empresa mantê-la e acabou sendo demitida cruelmente. Incentivava as filhas à estudarem e hoje quase todas estão formadas no ensino superior.
*Matéria do Jornal A Voz da Favela do Mês de Agosto