O lançamento da pré-candidatura de Guilherme Boulos e Sônia Guajajara à presidência da República, no último dia 3, provocou debates e polêmicas. Uma delas é que o líder do MTST não era nem filiado nem militante do PSOL, legenda que supostamente abrigará a sua candidatura. Mas esta candidatura, se aprovada pelas instâncias do partido, representará uma filiação solidária, que é quando uma legenda abriga um ou mais nomes que representam movimentos ou setores sociais, na perspectiva de construção de frentes políticas que incorporem outras formas de organização para além dos partidos.
No caso específico de Boulos, o lançamento de sua pré-candidatura é o ponto culminante da trajetória da plataforma Vamos, que ao longo do ano passado realizou assembleias, encontros e debates em todo o país, debatendo uma agenda programática para a esquerda e defendendo a criação de uma frente com partidos e movimentos da sociedade civil. Não estou aqui a defender ou endossar esta plataforma, mas acredito que iniciativas como essa são fundamentais para romper os limites das esquerdas partidárias, que reúnem experiências, lideranças e trajetórias valiosas, mas insuficientes para lidar com a complexidade e os desafios da conjuntura atual.
Retomar a experiência das filiações solidárias contribui para reoxigenar a política e é salutar para a democracia, em um momento de graves ataques ao estado de direito. Se é verdade que a política não se restringe a eleições, por outro lado não há como interferir na institucionalidade e nas políticas públicas sem incidir de alguma forma na disputa eleitoral. “O problema de quem não gosta de política, é que são governados por aqueles que gostam”, já dizia Brecht.
E como interferir ativamente na lógica da política, abrindo espaços para as pautas das favelas, das negras e negros, indígenas, juventudes, LGBTs, sem projetar lideranças que ocupem os espaços de poder? E hoje, só é possível disputar eleições através dos partidos.
As filiações solidárias não são uma novidade no Brasil. Durante a ditadura militar, por um longo período vigorou o bipartidarismo, em que só podiam existir legalmente dois partidos: a ARENA e o MDB. Este último representava, naquele momento, a oposição ao regime. Sendo assim, grupos e partidos que estavam proibidos, como era o caso dos Partidos Comunistas (PCB e PCdoB) e outras correntes políticas atuavam “por dentro” do MDB, para garantir a participação de suas candidaturas nas eleições, sem abrir mão de seus programas e formas de organização próprias. A conjuntura atual é distinta, mas continua sendo perversa: organizar um partido no Brasil é tarefa difícil, cara e cheia de armadilhas burocráticas. Candidaturas independentes, territorializadas, representações de movimentos sociais e de novas formas de organização não conseguem ter registro próprio junto aos tribunais eleitorais.
Nas eleições de 2018, percebe-se, à esquerda e à direita, que os partidos estão mais permeáveis a movimentos e processos que estão sendo gestados na sociedade, no sentido de renovar as representações com novos atores, novas narrativas, novos projetos políticos surgidos a partir da necessidade que a sociedade identifica de interferir e reinventar a política, entendendo que fora dela não há solução.
Movimentos como Vamos, Agora!, RenovaBR, Bancada Ativista, Frente Favela Brasil, entre outros, estão construindo chapas e candidaturas que, através dos partidos, veiculem seus programas e suas propostas para a sociedade nas eleições. Aqui no Rio de Janeiro, estamos vendo novas lideranças das favelas e periferias, dos movimentos culturais, trabalhadores, juventude, LGBTs, etc, encarando esse desafio e indo para a linha de frente da disputa eleitoral. Atitude necessária e urgente, uma lufada de ar fresco em um momento em que os ares da política andam cada vez mais irrespiráveis em nosso país.