2018 foi pesado. Eu sei!
Nem mesmo o carnaval, que já abre uma possível folia de 12 meses, foi capaz de nos deixar lembranças suficientes para aguentar a dor do luto, já ali, bem no terceiro mês do ano.
Ainda era Março, quando seguíamos para a Cinelândia em silêncio. Enquanto levávamos no peito um grito doído, pela falta daquela que já movia as estruturas de um país que não dá a minima, pra toda a gente que o mantêm funcionando na raça. Era dia de se despedir da Marielle, uma das mulheres que foi capaz de mudar, não apenas a minha capacidade de olhar a política, mas a minha forma de ver a vida por inteiro, em vários aspectos.
Ainda era o terceiro mês do ano e nós não fazíamos a mínima ideia de como seria continuar a caminhada. Parecia realmente o fim da linha. Não que nossas ideias, iniciativas ou capacidade de lutar, houvessem terminado. O que nos parecia era que seria demasiadamente pesado seguir da mesma forma e não tínhamos noção de outro caminho.
Pouco a pouco a onda de dor e tristeza, deu lugar à ações de auto cuidado, compaixão, empatia, generosidade e perdão. Que algo havia se quebrado, disso não tínhamos dúvidas, mas enquanto seguíamos despedaçados pela ruas do RJ, sem perspectiva do que poderia vir de positivo, nós renascemos também em amorosidade.
Enquanto eu seguia para um jantar com um grupo de amigos, lembro de ter feito todo o trajeto do ônibus sem a mínima perspectiva positiva do meu futuro e que os gritos e marchas tinham sido todos em vão. Era Novembro e eu já experimentava a dualidade de ter finalmente uma visão mais saudável de ser uma atuante politica, misturada com a convicção de que estaremos, pelos próximos quatro anos, sob a presidência de alguém que declaradamente vai contra todas as formas de liberdade e justiça, que nós lutamos décadas para conquistar.
Nesse dia eu apenas não conseguia visualizar uma saída, para toda a truculência que estava sendo o ano de 2018.
Foi um ano de perdas significantes, de amores desfeitos, de portas fechadas, de gritos e dedos na cara, mostrando que ainda existe o lugar de superioridade e subalternidade, que nos separam nas relações e construções da vida. Foi um ano que nos equilibramos, definitivamente, na linha tênue entre sanidade e surto.
No meio do jantar, perguntei aos meus amigos: “Como nós vamos lidar com tudo isso no próximo ano?Eu não sei se daremos conta.” e recebi de volta a resposta que me reconectou com tudo de mais belo que aconteceu em 2018. “Vamos nos conectar em amor, nos aproximar dos nossos, nos resgatar em afeto.”
Olhei em volta da mesa por alguns instantes e sem falar ao meu amigo ou com minhas duas amigas, percebi que eles tinham largado suas demandas e questões para estarem ali para mim. Quanto afeto eu estava recebendo e nem percebi.
O ano que está prestes a acabar, foi um ano pesado. Eu sei. Mas olhando bem, foi o ano que mais entendemos o quanto a nossa saúde mental precisa ser levada à sério. Foi o ano no qual a palavra autocuidado foi mais mencionada, ao menos nas minhas rodas de convivência. Foi o ano que paramos nossas atividades em alguns momentos, para vivenciar nossos sentimentos, partindo da dor ao amor.
Em 2018 eu dormi em mais casas do que gostaria e muitas vezes eu apenas deitava no travesseiro e queria estar em casa, mas sabia que a minha segurança era prioridade naquele momento.
Em meio aos tiroteios que me impediram de ir em vir, inúmeras casas se abriram pra me acolher. Esse caos também me possibilitou encontros inesperados, cafés da manhã e pizzas à noite enquanto assistíamos filmes e falávamos sobre nos vermos mais.
Nesse ano a Ana Paula Lisboa, uma das ativistas, escritora, referência de vida e pessoa que mais me inspira a escrever, tinha uma viagem marcada de madrugada, mas subiu o morro do Salgueiro só pra almoçar comigo e a Elaine Rosa (idealizadora da Feira Crespa) e ainda lavou o meu cabelo com todo carinho que eu precisava, naquele momento de ansiedade, diante dos efeitos colaterais de confrontos diários.
Foi ainda em 2018 que continuei instalada na casa de uma amiga, que estava há alguns meses na minha vida, mas abriu a porta do seu apartamento, mesmo diante da suas demandas diárias e agitadas, para abrigar eu e minha irmã por quase um ano. Foi em 2018 que terminei um dos maiores amores que já vivi na vida (até hoje), mas que me permitiu conhecer mais sobre mim e deixou comigo a decisão de ser livre e me ver do jeito que eu sou.
Em 2018 eu e minha irmã completamos 10 anos morando sozinhas, suprindo em amor a falta de uma família com pai e mãe, com amigos que encheram a nossa casa de risadas em vários momentos.
Nesse ano, me conectei e permiti ser conectada para vivenciar coisas lindas com muita gente.
Atravessei o oceano, em uma viagem de mais de 9 horas de voo, rumo à Portugal simplesmente porque pessoas, (sem nenhum vínculo sanguíneo) se uniram pra tornar isso possível. Foi em outro país que eu pude vivenciar as experiências mais incríveis, que eu seria incapaz de traduzir nesse texto.
Foi logo após essa viagem, já chegando no Rio de Janeiro, que acordei de madrugada e fui avisada que estava no meio de um assalto. Fiquei amarrada por algumas horas com alguns amigos sob a mira de dois assaltantes e acreditei que não estaria aqui pra te contar essa história, mas foi nesse dia também, que entendi a necessidade de não estar só, pois foi preciso muito amor e acolhimento para que eu pudesse seguir os dias até aqui.
Imagino que você possa ter passado por inúmeras questões para além das que envolvem o mundo. Imagino quantas dores particulares você vivenciou. Imagino que algumas eu jamais seria capaz de traduzir em palavras.
Foi difícil eu sei. Mas se eu aprendi alguma coisa esse ano, foi que tudo que é pesado, quando compartilhado, fica mais leve. Vasculhe na sua caixa de lembranças e tente captar todo o amor e afeto que puder. Serão essas doses de afeto e cuidado, por minimas que sejam, que irão te conduzir para um novo ciclo. Bem além da virada do calendário. Um ciclo de vivências para além do caos.
Sabe a foto do início desse texto? É pra te mostrar o quanto juntos podemos fazer uma transformação positiva no mundo. O Instituto Precisa Ser, reuniu esse ano todos os projetos que se conectam com eles, apenas para realizar um dos gestos mais impactantes que podemos reproduzir. O gesto da Gratidão.
O encontro “Precisa Ser Grato” reuniu agentes transformadores de várias iniciativas pelo país e que se conectarão muitas vezes ainda pela vida. O propósito? Elevação Coletiva.
“Companheira me ajude que eu não posso andar só. Eu sozinha ando bem mas com você ando melhor…”
2019 pode vir, a porta está aberta!