A primeira lição que aprendi quando pisei numa redação de jornal, em março de 1969, foi começar a matéria com um lead de cinco linhas obedientes à regra do cinco W e um H: who, what, when, where, why e how – em bom português quem, o que, quando, onde, por que e como. As respostas a esses quesitos constituíam o básico da notícia, as primeiras cinco linhas capazes de satisfazer o leitor apressado e despertar a curiosidade dos interessados para os parágrafos seguintes, onde as informações eram escritas em forma decrescente de importância, até chegar a detalhes finais no pé do texto. Por isto os redatores, ou copidesques (do inglês copy-desk), cortavam os textos “pelo pé”, conforme a orientação dos diagramadores.
O “lead” foi importado dos Estados Undos por Roberto Pompeu de Sousa Brasil, jovem jornalista cearense que introduziu a novidade no Rio de Janeiro em 1943 no Diário Carioca, de José Eduardo Macedo Soares. Nelson Rodrigues, que estreou naquele mesmo ano a peça Vestido de Noiva no Teatro Municipal e militava na imprensa diária, acusou Pompeu de Sousa de extinguir o jornalismo brasileiro com o tal do lead. Até então, matérias de jornal eram livres ao estilo ou falta de estilo de quem as escrevia. A reportagem sobre um atropelamento podia começar assim: “Uma nuvem escura pairava sobre o centro da cidade desde o início da manhã, quando Florisval Margarido dos Santos saiu de casa para o trabalho. Seria mais um dia na rotina semanal e se ele pudesse prever o que lhe aconteceria, certamente teria preferido ficar na segurança do seu lar”.
Nelson Rodrigues se amarrava, mas a pressa das máquinas e os custos de impressão impunham ritmo veloz também à narrativa jornalística, e Pompeu, não satisfeito, criou o sublead, o parágrafo seguinte ao primeiro, onde deveriam constar as informações também essenciais, como providências tomadas, socorro prestado, alterações no trânsito, reações de familiares ou transeuntes. Também com cinco linhas, este parágrafo praticamente resumia todo o caso e matava a charada, de maneira que quem lesse lead e sublead ficava bem informado sobre o acontecimento.
A padronização da notícia ganhou força com a reforma gráfica e editorial do Jornal do Brasil, iniciada por Reynaldo Jardim com o Suplemento Dominical que criou em 1956, e ampliada no ano seguinte para todo o jornal, por Odylo Costa, Filho, Jânio de Freitas, Carlos Lemos e outros renovadores da imprensa carioca contratados pela condessa Maurina Pereira Carneiro e seu genro Manuel Francisco do Nascimento Brito. O lead e o sublead se consolidaram até a censura prévia aos jornais imposta pela ditadura militar através do Decreto-Lei 1.077, de janeiro de 1970. A partir de então, a padronização foi perdendo espaço para as metáforas, alegorias e malabarismo linguísticos usados para enganar os censores dentro das redações. Voltamos, de certa forma, aos tempos da “nuvem escura” sobre a cabeça de todos.
Com a redemocratização em 1985, acabou a moleza de esconder-se sob o tacão ditatorial sublimando a própria mediocridade e os jornalistas tiveram de voltar ao regime da liberdade de expressão. Isto, entretanto, aconteceu sob rígido controle dos donos da imprensa e de seus paus-mandados nas redações. O perigo era o jornalismo rebelde, inteligente, questionador, praticado por quem fuçava as histórias na chamada imprensa alternativa de Opinião e Movimento, para citar dois expoentes das décadas de 70 e 80. Por que esses jornalistas representavam perigo? Porque pensavam, duvidavam, apuravam, e isso não interessa ao patrão. Afinal, em 1969 a ditadura havia imposto a formação universitária para os jornalistas para controlar no nascedouro quem trabalharia na imprensa. Redação de jornal deixou de ser, como dizia Prudente de Morais Neto, o caminho natural para quem se sentisse excluído, revoltado, disposto a questionar e debater.
O jornalismo praticado no Brasil hoje é meramente declaratório, as investigações partem de dossiês entregues às redações, a versão oficial é inquestionável. Quando surge um escândalo já se sabe onde, quando, como e por que vai parar, não há interesse profissional, o jornalista é um burocrata da informação, ou uma “pena de aluguel”, como se dizia antigamente. Por esta razão continua incompreensível para tanta gente a atuação de Glenn Greenwald e seu The Intercept Brasil no caso da Vaza Jato. Por isto, também, ele tem de repisar a todo instante que está fazendo o seu trabalho, exercendo sua profissão e nada além disso. O Brasil é que está fora do esquadro.
Enquanto isso, do outro lado do balcão, autoridades acusadas ou não reagem quebrando sigilo bancário, agredindo leis, na certeza de que farão da opinião pública um bando de lorpas e pascácios, como também dizia Nelson Rodrigues.