Alguns criticam o funk carioca como sendo o “fim da música”: que não seria sequer música. Mas ao se olhar a fundo vê-se suas origens no Miami base e no funkadelic americano. No Brasil, foi adaptado às condições dos bailes dos dj´s das periferias do Rio.

Tem poucos acordes. Mas o punk inglês original também tinha como premissa de mudança não ter mais de três acordes.

Alguns tem letras sexistas, mas a MPB sempre apresentou um que de  machismo historicamente. Vide as “Amélias”. Só na década de 70 em diante essa tendência começa a mudar com compositoras e cantoras como Angela Rorô, entre outras.

Ao analisarmos o funk levamos em conta que quem o produz são pessoas que em sua maioria NUNCA passaram por um conservatório, escola de música, e que, provavelmente, jamais tiveram aulas de música em seus colégios. Ainda assim é inegável que trata-se de um estilo muito rico, filho das tradições de percussão tocadas de ouvido nos terreiros, fundos de quintais e até mesmo da senzala. Acho que justamente isso possibilita ao Funk sua originalidade – descentrada – e funda seu valor “em si” e de acordo com sua conjuntura; não em comparação, referência (deferência…) a uma tradição etno-centrada que não enxerga um palmo além de sua “viseira” cultural mal projetada. É preciso ter “ouvidos” para ouvir o FUNK. Para os out-siders é preciso observação, aprendizagem, estudo, disciplina. Por isso falam tantas coisas ruins do FUNK, do RAP e de outros estilos divergentes (dos padrões oficializados). Eu vejo assim os comentários preconceituosos: algo como os que odeiam a Física e a Matemática porque não conhecem (ou reconhecem) e não querem reconhecer suas dimensões (a filosófica por exemplo)!

Outro dia uma senhora evangélica bradou: funk é sempre assim, esse tambor, essa macumba de fundo, para que os jovens se viciem e façam a coisa errado. Nem discuti, dado que ela trabalha com o conceito de sua própria “verdade” absoluta.

Uma coisa é verdade: o tambor é de macumba mesmo. Palmas para a percepção musical dela que provavelmente é ex-macumbeira. Mas a macumba é a base da musicalidade e da dança negra, logo…

Mas o olhar e ouvido, desde que não treinados para difamar e diminuir o que é tradição negra ou afro-brasileira, nos faz abstrair isso e admirar a musicalidade.

O que alguns  gostam em um som como o techno, o grave batendo forte no coração e no cérebro, fazendo dançar e pulsar, está presente no funk.

Mas, a “elite branca” sempre faz isso com os ritmos nascidos da alegria e do sofrimento negro.

Foi assim com o blues, com o samba, jazz, lambada. E vários outros.

Primeiro é reprimido. Depois absorvido e aceito. Então pasteurizado e posto como mercadoria vendida em massa, em geral, de baixa qualidade, tocado pelos filhos da classe média da zona sul rica.

Criticam também o ajuntamento, o arrastão dos bailes funks dizendo que há consumo de drogas. Rave tem muito mais consumo de drogas mais cara, mas nunca se viu a invasão de coronéis pm nesse tipo de festa. E música tocada l também é muito rítmica “drumns and bass”. Batida pesada, que se sente lá no coração, como nos bailes funks.

Há funks que são bem progressivos que criticam e fazem pensar, coisas que muitos autores da MPB e outras vertentes deixaram de lado. ” Eu só quero é ser feliz” dá uma sensação de pertencimento, de orgulho em qualquer pessoa que more na favela, mas também o faz questionar. É velha é clássica, mas qual foi a última música critica de Caetano? “Haiti”? E de Chico Buarque?

Mesmo os proibidões expressam algo de forma bem contundente. É importante lembrar que o brasil tem a tradição de letras e músicas “proibidas”, letras escritas em “linguagem de fresta”, que o Brasil esquece.

O poeta Gregório de Matos, considerado o primeiro poeta genuinamente brasileira, também foi muitíssimo proibido, não sendo considerado poesia canônica, até meados dos século 20.

O interessante é que muitas vezes, do ponto de “vista” timbral, os funks mais rudimentares (proibidão) são muito mais interessantes do que a “boa MPB”. Em outras palavras, ele é ouvido com ouvidos treinados por uma teoria musical ultrapassada.

Há um elemento genérico de desqualificação: é uma música que se faz na prática do instrumentário, mais do que uma música que se concebe mentalmente e se nota no papel.

O olhar enviezado do historiador ou intelectual teve que se render há pouco ao entendimento que a história oral dos povos agráfos, ou fontes não alfabetizadas, possuem uma profunda riqueza histórica. Assim também deve se dar com a tradição melódica do funk.

É ritmo, é batida. É o que socializava as civilizações primitivas. E é o que irá fazer dançar as futuras.

Quem nunca bateu o pezinho ao som do maculelê?

A básica do pancadão do funk é um maculelê. O “miami bass” há muito já virou o “morrão sound bass”, o “brazilian funk” faz qualquer alemão, holandês ou francês enlouquecer na pista. E por quê?

O que eles veem e ouvem que nós não?

A tradição oral deles é melhor ou pior do que a nossa?

Maximiano Laureano da Silva