Findou-se o Carnaval em 2017. Qual foi seu legado esse ano? O glitter ecológico, a apropriação cultural ou os blocos secretos? Com certeza, todos eles e mais um: a questão de gênero. Essa é a temporada em que se vê a maior concentração de homens e mulheres usando roupas que “não fazem” parte do seu sexo, masculino ou feminino. Tudo é completamente válido e já leva à reflexão: por que essa aceitação não perdura os outros 360 dias?
Questão de gênero diz respeito a diversas questões e temáticas, todas muito saudáveis de serem expostas, mas a que dita o tom é mesmo a dicotomia entre as cores de mulher e as de homem, as vestimentas de mulher e as de homem – assuntos, muitas vezes, proibidos, como o fato de um rapaz querer usar saias.
A saia é o gancho certeiro para a discussão de gênero porque é uma das ações que mais causa estranhamento e empoderamento por parte de quem usa. A peça, historicamente, é usada como objeto político em diversas formas de protesto, como no caso de reforçar que roupa não é convite para estupro (na Marcha das Vadias, mulheres usam saias curtas e lingerie para dar esse recado). Ainda que eu não seja homem para relatar a experiência, basta observar que o uso da saia remete à homossexualidade, gerando ataques e desaprovações. Uma vestimenta não permite definir a opção sexual de ninguém, até porque, convenhamos, o corpo não vem com uma codificação pré-definida “de fábrica”.
Cada vez mais homens se impõem e provocam olhares em um desejo instigante de colocar por terra o estigma. A liberdade e o conforto não podem ser hostilizados. O frescor fala mais alto, o ar despretensioso, ousado e rebelde também – combinação viciante. Claro que usar saias na zona nobre da cidade parece menos pior que na periferia. Desistir não é opção. Que digam as bichas pretas, faveladas e periféricas que resistem ainda mais por sobrevivência.
Será esse o fascínio do Carnaval? Poder ser e fazer “o que quiser” sem ser tão julgado quanto nos dias comuns? O que separa a liberdade de expressão da censura? Que os dias de folia despertem a todos para o respeito de homens e mulheres cis e trans, heterossexuais, homossexuais ou bissexuais. Que não seja necessário vestir um personagem apenas uma vez por ano. Que toda forma de existência seja permitida e garantida. Que a festa do bom senso se faça presente no Rio de Janeiro, Fevereiro e Março.