Os interesses das ideologias dominantes, o desejo pelo controle da politica e a confrontação nos espaços democráticos, são características normais e aceitáveis nos Estados modernos. Embora, a Colômbia na sua história política, a democracia tem sido acompanhada pela violência na máxima expressão. A independência no ano 1810 não significou a realização de ideais liberais no sentido amplo da igualdade e acesso da sociedade a novas oportunidades civis. Pelo contrario o que aconteceu foi que o controle da política e os meios de produção viraram de dono, e passou da coroa espanhola aos Criollos[1] que formaram um pequeno grupo composto pela classe alta, encarregado de manter o controle do país.
Foi assim que a independência só representou benefícios para os ricos do país que tiveram as condições para estabelecer um novo governo com privilégios para a oligarquia e colocar ao serviço desta, ao povo composto principalmente de camponeses e mestizos[2]. A partir daquela época, as chacinas foram comuns enquanto que o controle das regiões do país fazia-se com derramamento do sangue de milhares de pessoas. Mas, isso é só uma referência dos inicios da violência interna na Colômbia.
Com o estabelecimento dos partidos políticos: Conservador e Liberal. Foi que se organizou a classe alta na política do país. Fazendo assim, uma maquinaria para garantir a permanência nas instituições do Estado. Para princípios do século XX, houve brigas entre partidos políticos nas regiões do país, estas brigas foram dirigidas pelas classes altas quem pagavam para que os contraditores do partido deles fossem chacinados. As cifras sobre a quantidade de mortos nunca foi revelada, embora as vítimas pela violência dos partidos políticos no principio do século XX é de milhares.
Quando uma ideia diferente, das ideias conservadoras da oligarquia cresce, é preciso que seja cortada, essa é a lei geral neste país e por isso sempre na Colômbia se da morte pela política. Aconteceu com Jorge Eliécer Gaitán, quem tinha ideias de esquerda, e foi morto antes de ser presidente nos 48, foi pela repressão da classe tradicional política que aconteceu o Bogotazo[3], acontecimento que contribuiu posteriormente a conformação das guerrilhas enquanto que uma grande parte da população colombiana não encontrou espaço na política institucional.
Mais tarde, nos princípios dos setentas (70s) as eleições presidenciais foram roubadas, ração pela qual, nasce o movimento armado M-19 quem procura a inclusão democrática e politica alternativa ao sistema tradicional dos dois partidos maiores da Colômbia. O nosso prefeito atual foi integrante desse movimento que finalmente conseguiu a construção de uma nova constituição política em 1990.
A oportunidade de participar em politica, para quem foi guerrilheiro e depois de um processo de pacificação, deixou as armas. É um direito civil que deve ser garantido pelo Estado. Além disso, nesta semana foi infringido e o prefeito Gustavo Petro-quem fora integrante do M-19 foi removido da prefeitura de forma ilegítima.
Na Colômbia tem divisão de poderes como em qualquer Estado moderno. Também foi criada a Procuraduría, uma instituição para o controle dos representantes públicos, uma das funções é procurar que a lei seja desenvolvida e respeitada pelos representantes públicos. Embora, a pessoa que foi assignada como procurador, é uma personagem da direita extrema, que tem precedentes de pressionar e caçar quem faze politica progressista e da esquerda.
Agora, a vitima é o prefeito da capital Gustavo Petro. Quem foi removido da sua posição o dia nove (9) de dezembro e impedido de ocupar cargos políticos por quinze (15) anos. A ração da decisão pelo Procurador, é que o prefeito não desenvolveu com êxito a política publica de recolecção de lixo na capital, já que ele retirou as empresas privadas e deu à responsabilidade a empresa publica de agua para que fizesse a recolecção e tratamento dos lixos da cidade.
O fundamento jurídico da decisão é que o prefeito não permitiu que os empresários que faziam o trabalho, continuaram com o negocio deles. Mas, a pergunta que se deve fazer qualquer pessoa que analise a situação, é se a implementação de uma politica publica alternativa na procura da estatização de um serviço publico, é crime e então deve ser punido? Punir o prefeito com quinze (15) anos de morte política só porque ele não permitiu que os empresários continuassem lucrando é uma decisão administrativa imparcial? Ou pelo contrario, parece uma decisão politica parcial que foi tomada pela direita do país para deixar fora ao representante dos setores da oposição politica no país e ficar com aquele negócio do lixo que deixou 2.5 bilhões de pesos colombianos nos últimos oito (8) anos (aproximadamente 12mil milhões de dólares).
Em na minha opinião é uma estratégia politica e econômica da direita e os empresários do país, sendo que na Colômbia, muitos dos políticos também são donos e familiares das pessoas que tem grandes empresas principalmente nos setores da saúde, transporte, serviços básicos de agua e energia e lixos.
A mobilização.
Habermas diz na sua tese sobre a participação política que os cidadãos têm a capacidade de decidir e participar Independiente e conscientemente. Embora, essa é uma tese muito racional que não contempla as culturas politicas das sociedades de América Latina, onde a participação politica pode ser cooptada pela tradição paroquial e tradicional, fazendo assim outro jeito de participação onde as pessoas não decidem livremente seus governantes, e os lideres e chefes são quem autoritariamente decidem pelos outros subordinados. Essa pratica é comum na Colômbia, e geralmente vai acompanhada pela repressão violenta nas regiões longas onde o Estado tem pouca ocupação do território. A Colômbia está assim, ao frente de uma cultura politica estruturada pelo medo. Medo de participar, medo de pensar, medo de atuar.
Embora, em Bogotá as pessoas que ficaram cansadas de olhar as injustiças sociais e sentir medo para expressar-se, têm reagido contra a decisão da Procuraduría, um monte de pessoas tem se mobilizado pelas ruas e chegado até a Praça de Bolívar. O Petro quem ficara removido da prefeitura pediu aos eleitores desde o dia 9 de dezembro (dia em que foi conhecida a decisão de remover e punir ao prefeito) para fazer mobilizações todas as noites e encher a praça em todos seus cantos. Aproximadamente umas oitenta mil (80000) pessoas se estão mobilizando até a Praça de Bolívar todos os dias.
Parece que a população não quer permitir que a oligarquia da Colômbia fique com o controle politico e econômico mais uma vez. Os milhares de pessoas que estão se manifestando reclamam seu direito civil ao sufrágio e denunciam que foi violado pelo procurador que é só uma pessoa eleita por alguns congressistas. A voz das pessoas diz que o poder popular esta acima da autoridade administrativa de uma pessoa que não representa os interesses da população. E representa interesses escuros de empresários e políticos da extrema direita colombiana.
Então, o Petro tem a força da população de baixa renda e classe meia bogotana e a solidariedade de milhares de pessoas em todo o território nacional. Aqui é importante estabelecer que a luta tem duas perspectivas. A primeira é a mobilização pacifica na cidade, que mostra a legitimidade atual do prefeito. E a segunda perspectiva é a confrontação legal em defesa dos direitos políticos do prefeito, esta sendo desenvolvida nos tribunais. Especialmente na CIDH (corte interamericana de direitos humanos).
O respaldo massivo das pessoas tem ocasionado que as demandas nos tribunais fiquem com força e a comunidade internacional saia em defesa dos direitos civis e políticos dos cidadãos e o prefeito. Então a mobilização sem nenhum ato de violência esta sendo exitosa nestes últimos quatro dias e o prefeito vai se reunir com a CIDH na próxima quarta.
Por ultimo há que dizer que os indígenas do sul do país chegaram ontem até a Praça de Bolívar com a “guardia indígena” [4] para cercar o Palácio de Liévano (casa da prefeitura) e dar garantia de que não vai ser utilizada a violência no processo da solução do conflito administrativo e politico da capital.
O procurador, responsável da suspensão do Prefeito ainda não sai aos meios de comunicação, também não responde as denuncias na sua contra. Talvez ele não tenha a coragem de responder para os milhares de pessoas que estão querendo a renuncia dele, e clamam nas ruas com indignação o nome dele.
Fotos: Duvan Murillo, Nancy González.
[1] Palavra que se refere ao grupo de pessoas que tendo sangue e tradição espanhola, nasceram na Colômbia e constituíam-se a elite da sociedade no princípio do século XIX.
[2] “raça” surgida da união entre brancos e indígenas.
[3] Evento acontecido o nove (9) de abril dos 48, onde foi morto o candidato de esquerda Jorge Eliécer Gaitán e a população ficou raivosa, tanto assim que parte do centro da cidade foi destruído e os cemitérios ficaram cheios de corpos mortos pelo exercito que reprimiu as manifestações.
[4] O grupo de indígenas com autoridade para fazer controle e dar garantia de neutralidade nas manifestações politicas. Em algumas situações eles substituem a policia para dar garantia nas manifestações, atos políticos e conflitos sociais.