Grupo debate masculinidades e o papel dos homens contra o machismo
As masculinidades são construídas. As masculinidades que chamamos de tóxicas, ou como muitos autores preferem chamar, as masculinidades dominantes, são criadas através de uma lógica de funcionamento muito perigosa. O homem em nossa sociedade é proibido de se aproximar de tudo aquilo que é lido como pertencente ao universo feminino, medo, fragilidade, emoções, autocuidado, cuidado com o outro, empatia, são excluídas do universo masculino. Produzimos um conceito de “homem de verdade” que é extremamente adoecedor e através das estatísticas podemos acompanhar que as masculinidades não caminham nada bem, esse ideal de masculinidade que é imposto para que os homens possam conseguir uma aceitação social gera uma grande restrição emocional entre os homens. Os homens são os que mais se suicidam: 4x mais que as mulheres (Fonte: Mapa de Violência Flasco Brasil), são os que mais morrem, 10x mais vítimas da violência do que as mulheres (Fonte: IPEA, Atlas da violência de 2017) e são os que mais matam: o Brasil ocupa a 5ª maior taxa de feminicídio no mundo. Quando exibimos esses dados não é para comparar o sofrimento dos homens em relação às mulheres, mas sim para demonstrar que as masculinidades dominantes são nocivas tanto para homens quanto para mulheres no Brasil, ainda que nós homens, diferente das mulheres, nos beneficiemos desse modelo cisheteropatriarcal branco que a sociedade está estruturada. E se a gente for levar em conta a homofobia que é ensinada de geração para geração, o racismo que é estrutural em nossa sociedade, vamos compreender que essa lógica de masculinidade que produzimos só tem potencializado desigualdades e múltiplos mecanismos de violência.
Nesse cenário, os estudantes de psicologia Fabiano Acris e Ramiro Gonzales coordenam o grupo de reflexão sobre masculinidades “Inconformados Psi”. O grupo se reúne quinzenalmente para debater entre homens questões de gênero e outras interseccionadas, como racismo e LGBTI+fobia e em um dos encontros de cada tema, mulheres são convidadas para participar da discussão. Nos seis primeiros meses do projeto a presença era praticamente só dos coordenadores, já atualmente com mais de um ano de projeto o grupo recebe em média 10 frequentadores por roda de conversa.
A partir de uma matéria da graduação de psicologia da Universidade Santa Úrsula chamada “Psicologia e Realidade Brasileira”, os dois estudantes entraram em contato com o feminismo através de leituras de livros como “O que é lugar de fala?” da filosofa Djamila Ribeiro. A leitura os fez perceber o que significa ser homem no Brasil, ter consciência sobre os seus comportamentos machistas e os privilégios que de alguma forma possuíam. Esse despertar criou um incômodo, um abismo em suas mentes e passaram a pesquisar mais sobre o movimento e a entrar em contato com Simone de Beauvoir, Angela Davis, Joice Berth, Carla Akotirene, Grada Kilomba, Bell Hooks, entre outras autoras. Os coordenadores admitem que ao desbravar essas leituras, perceberam que já havia um grande movimento há décadas sendo realizado pelas mulheres para promover uma desconstrução desses mecanismos de opressão e que os homens ainda evitam participar desta luta. Foi então que deram início aos estudos de gênero pelo recorte das masculinidades e se depararam com alguns grupos que já promoviam o debate com homens, como por exemplo, Memoh, o Papo de Homens, o projeto Promundo. E a partir disso, elaboraram um projeto e enviaram para o núcleo administrativo da faculdade Santa Úrsula e fundaram o grupo inconformados psi.
As pesquisas os ajudaram a perceber que os grupos de reflexão sobre gênero, raça, classe e sexualidade entre homens são dispositivos muito potentes para promover uma mudança da mentalidade social e nos comportamentos violentos dos homens. Eles se inspiraram no trabalho de Fernando Acosta que implementou junto com outros profissionais os grupos reflexivos como pena alternativa para homens produtores de violência intrafamiliar. Os resultados de transformação são realmente incríveis. É interessante citar aqui um trecho do livro “Conversas homem a homem: Grupo reflexivo de gênero (Instituto Noos, 2004)” que retrata um pouco essa transformação que os grupos proporcionam. O trecho é um relato de um grupo que era realizado em 1999 junto com a Subsecretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro que acompanhou o projeto do Instituto Noos que desenvolvia grupos de reflexão entre homens autores de violência visando discutir o processo de construção de identidades masculinas nas dependências das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher. Segue o relato: “Em uniforme impecável, que dissimulava sua condição de detento, um dos policiais resumiu mais ou menos assim o processo: Antes, éramos chamados de ‘Cavalos corredores’ (título que identifica um dos vários grupos de extermínio da polícia carioca); hoje, nossos colegas do batalhão, que não passaram por essa experiência, nos chamam, jocosamente, de ‘gazelas saltitantes’. Isso não nos incomoda porque sabemos que continuamos homens, mas agora com outra perspectiva.”
É através de resultados como esse que os coordenadores seguem com o projeto, por acreditarem na importância da propagação de grupos reflexivos entre homens, não só como pena alternativa para homens produtores de violência intrafamiliar mas também como forma preventiva que é a proposta do inconformados. A importância social de projetos de debate entre homens, assim como o citado no texto, está inserida em promover micropolíticas que sejam capazes de produzir uma nova mentalidade social, a ideia principal é a construção de novos modelos de masculinidades, sem criar um novo modelo único e correto de ser homem, mas sim promover a ideia de que as masculinidades são plurais, que não existe essa ilusão de “homem de verdade” ao mesmo tempo que se promovem reflexões de gênero, raça, classe, sexualidade, o principal objetivo é a construção de uma sociedade de respeito às diferenças. Uma sociedade de equidade.
Fabiano e Ramiro nos contam: “Vivemos muitas coisas especiais até este momento, e gostaria de destacar algumas como, por exemplo, o convite que recebemos da Gracia Monte Barradas para falar sobre masculinidade tóxica na OAB mulher 55 Subseção do Méier; as psicólogas Geisa Souza, Priscilla Moreira e Renata Cristian que estão nos ajudando a expandir o debate sobre masculinidades abrindo novos espaços; os muitos relatos positivos que temos recebidos dos homens que participam destas rodas de conversas, como por exemplo, esse do participante Rafael “Queria te agradecer pela criação do projeto. Fiquei muito feliz de ter participado ontem. (…) Parabéns mesmo. Há 5 anos eu tento que alguém compre uma ideia minha de criar o Machistas Anônimos, e ontem vi a concretização dessa minha vontade. Estou muito feliz”. E acima de tudo isso, a possibilidade de estarmos construindo em nós mesmos masculinidades mais saudáveis, desconstruindo o machismo, o racismo, a LGBTI+Fobia que existe em nós, estamos aprendendo a cada encontro, com cada fala, com cada afeto, aos nossos olhos isso é realmente revolucionário.