Gabriela Alves e Rodrigo Santos, pais de Thiago, de quatro anos, foram
casados até os seis meses de idade do menino. Agora divorciados, dividem a guarda em acordo estabelecido pela justiça. A residência fixa de Thiago é casa da mãe e
os finais de semana são alternados igualmente entre os pais, exceto em situações
excepcionais como viagens e compromissos inesperados. O casal não enfrentava
problemas com o cumprimento de acordo até a chegada da pandemia no país, onde a
rotina da família foi completamente alterada.
Thiago estudava em tempo integral e está com as aulas suspensas desde março.
Gabriela é pedagoga na educação infantil e professora de inglês e agora trabalha
em casa e Rodrigo é gerente de uma loja de tecnologias no shopping e teve a
jornada de trabalho e o salário reduzido. Todas essas mudanças na rotina da família
causaram dúvidas e angústias ao casal sobre a guarda compartilhada durante a
pandemia. As situações vividas por eles não são exceção, de acordo
com Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, o número de registros em cartórios triplicou entre 2014 e 2018, chegando a 46,1% dos divórcios registrados em cartório com filhos menores de idade.
A divisão de guarda de uma criança costuma ser estabelecida de acordo com as
necessidades da criança e do casal mas em condições de exceção, como é caso dos
tempos pandêmicos essa lógica pode mudar. Valéria dos Santos Rocha, advogada especialista em direito criminal e direito de família, mestra em direitos
humanos e políticas públicas pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),
responde as principais dúvidas sobre o tema:
ANF : Os acordos de guarda compartilhada/alternada ou visitação podem ser alterados
enquanto durar a Pandemia?
Valéria Rocha: Sim, as alterações ocorrem com base no melhor interesse da criança ou
do adolescente; para tanto, a parte interessada deve provocar o judiciário e justificar a
necessidade de alteração. Esta necessidade de alteração deve ser baseada em um fato
que represente mudança substancial nas condições iniciais da época do acordo,
como é o caso da atual pandemia.
ANF: Caso apenas uma das partes fique responsável pela criança pode haver revisão de pensão?
Valéria Rocha: A revisão da pensão alimentícia deve ser sempre justificada com a finalidade de adaptar-se à nova realidade. Importante observar que existem três tipos de guarda: I) a unilateral; II) a compartilhada e; III) a alternada. Na guarda unilateral, as decisões em relação a vida da criança são tomadas por apenas um dos genitores(pais), e a referência de lar dessa criança será o da casa desse genitor. Na guarda compartilhada as decisões são tomadas de forma conjunta, sendo o lar referência o de 01 dos genitores (pais). Na guarda alternada, ambos os pais são responsáveis, e a criança ou adolescente possui dois lares de referência, ou seja mantém, residência alternada em ambos, essa divisão pode ser semanal, quinzenal, mensal, trimestral, tudo a depender do acordo entre as partes, sendo cada genitor responsável pelo período que lhe compete. Caso haja a necessidade de alguma alteração do acordo em relação a convivência estabelecida, pode haver sim a revisão da pensão. A fim de tornar mais visível essa afirmação, vou citar um exemplo: Marina, enfermeira, foi casada durante sete anos com Rafael, advogado. Dessa união nasceu Bianca, a qual tem seis anos.
Devido à separação do casal, os pais de Bianca acordaram que Rafael, no regime de guarda compartilhada, pagaria R$ 800 a título de pensão alimentícia, valor este gerido por Marina, fixando-se o lar-referência da criança como o da mãe, por ficar mais próximo da escolinha, visando, portanto o melhor interesse da criança. Devido a pandemia, por ser Marina enfermeira e estar na linha de frente do contágio, Rafael ingressa com pedido judicial de alteração provisória do lar-referência da criança e, por esse período, inversão do pagamento da pensão. Notadamente, a justificativa apresentada pelo pai atende ao melhor interesse de Bianca, que estará mais segura na residência do pai. Também pela alteração de lar, justifica-se o pedido de alteração de pensão, já que o pai ficará responsável por garantir e suprir as necessidades de Bianca. Em cada caso, o juiz analisará as justificativas das partes e o melhor interesse da criança.
ANF: É preciso fazer um novo documento legal para tal mudança acontecer? Ou a revisão dos termos pode ser automática?
Valéria Rocha: Sendo provisória a alteração, a revisão pode ser operada mediante acordo entre as partes sem a necessidade de ajuizamento de ação revisional de alimentos ou de pedido de alteração de lar, logicamente, no caso dos pais que possuem boa convivência, sendo suficiente, portanto, documentar o novo acordo sem maiores formalidades, o que pode ser feito via e-mail ou aplicativo de WhatsApp. Caso as partes não consigam sozinhas entrar em acordo que vise o melhor interesse da criança, será necessária a provocação do judiciário para auxiliar na resolução do conflito, de modo a adequar o acordo a nova realidade.
ANF: É possível requerer legalmente que a outra parte fique com a criança diante de situações de paciente com Covid-19 em casa ou com sintomas?
Valéria Rocha : Sim, supomos que o(a) genitor(a) que possui a guarda da criança necessite, em razão de seu trabalho, viajar constantemente, aumentando, portanto, o risco de contágio da criança. Nesse caso poderá requerer que a criança fique provisoriamente aos cuidados do outro genitor(a). Outra situação que tem sido comum durante esse período de pandemia é o pedido de suspensão de convívio de um dos genitores, sob a justificativa de redução de risco de contágio da criança em razão do leva-e-traz.
ANF: Constada a ausência de cuidado para prevenção da pandemia?
Valéria Rocha: A ausência de cuidados do(a) genitor responsável pela criança pode e deve ensejar a alteração da guarda, tanto de forma provisória como definitiva.
ANF: Se os gastos da criança/adolescente foram reduzidos durante a pandemia, por exemplo, redução da mensalidade ou cancelamento de alguma atividade o valor da pensão pode ser alterado?
Valéria Rocha : Depende; deverá ser analisado caso a caso. O(a) genitora responsável pelo pagamento da escola e/ou da van escolar do filho(a) poderá negociar extrajudicialmente ou judicialmente a suspensão do pagamento desses serviços diretamente com a instituição de ensino e com a empresa de transportes, porém não poderá se eximir de pagar a pensão alegando que esses serviços não estão sendo prestados, visto que estão suspensos por razão alheia à vontade das partes. Agora, se o contrato de ensino foi cancelado, ou a criança, ao invés de van escolar, utilizava transporte público para se locomover, evidentemente houve uma redução nos gastos com a criança, de modo que reduzir a pensão de forma temporária é possível sim.
Entretanto, importante observar que a jurisprudência dos tribunais é no sentido de que aquele que tem o dever de prestar alimentos destine 30% de seus rendimentos para a criança ou adolescente. Para se obter a redução dessa porcentagem é necessário demonstrar que houve alteração financeira também daquele que paga a pensão; ou seja, não basta apenas afirmar que a criança não necessita daquele valor. A fixação de pensão alimentícia leva em consideração o binômio necessidade-possibilidade: Necessidade de quem recebe a pensão, e possibilidade financeira de quem paga. Nos casos em que aquele que tem a obrigação de prestar alimentos está desempregado, o judiciário tem fixado pensão alimentícia em 30% do salário mínimo. Nesse período de pandemia, as reduções estão sendo comuns, possuindo as partes bastante material jurídico para operar a redução.
ANF: Qual são as suas sugestões para os ex-casais que dividem a guarda em um momento
como o de agora?
Váléria Rocha: Os pais devem observar o que é melhor para os interesses da criança, priorizando o bem estar e proteção dos filhos. É preciso que deixem as brigas pessoais de lado, caso existam, e tenham um comprometimento real com a criança – é o que se espera dos pais – pois a convivência acontece mesmo em tempos de pandemia.