“Filho, eu ainda estou vivo!”. Essas foram as primeiras palavras de Diosino, 93 anos, ao reencontrar seu filho João França, após mais de quatro décadas sem notícias de seu paradeiro.
Em 1978, Danguinha, como era conhecido na sua infância, havia partido para São Paulo em busca de uma vida melhor. Acabou sendo um dos milhares de migrantes nordestinos que ajudaram a erguer a maior cidade do Brasil, como operários da construção civil, e moraram precariamente na favela de Paraisópolis, um dos símbolos da desigualdade na metrópole.
Danguinha teve um breve período de prosperidade trabalhando com pintura de paredes até que, entre desilusões amorosas, encontrou na bebida sua parceira mais fiel. Já morando na rua, chamou a atenção de um advogado caridoso, também de origem humilde. “Eu tenho uma história, doutor”.
O doutor Antônio Carlos Donini, advogado, resolveu ouvir a narrativa de Danguinha e transformá-la em livro. Após terminar a obra, porém, alguma coisa faltava. Decidido a conhecer de perto o cenário descrito pelo seu personagem — “as casas de taipa, o sol inclemente, o engenho em que ele começou a beber aos quatro anos de idade…” —, convenceu Danguinha a lhe acompanhar em uma viagem ao Arraial das Alagoinha, pequeno povoado no sertão da Bahia.
E, assim, promoveu o emocionante reencontro familiar, dando novas perspectivas para um homem de 64 anos sem casa nem renda, recém-saído de um acidente vascular cerebral.
História merecia um livro
Essa é a história por trás do livro Danguinha, lançado em novembro. O autor se sentiu atraído pelo carisma de João França e pelas trajetórias semelhantes que tiveram, até que o vício em álcool de um, e os livros do outro, determinaram destinos bem diferentes.
Realizado em sua profissão após ter superado a infância pobre em Botucatu, no interior paulista, e ter vencido em sua aventura na capital, o agora escritor encontrou nos livros, como ele próprio diz, uma maneira de fazer caridade.
O último “capítulo” do projeto é usar a renda da venda do livro para promover a volta definitiva de Danguinha à origem, na cidade de Planalto, próximo do Arraial de Alagoinha, onde nasceu, para ter uma velhice com o amparo do pai e das irmãs.
Escritor encontra Danguinha
“Conheci o Danguinha ao andar no meu bairro, quando ele estava lúcido sempre conversávamos, eu tentava ajudá-lo de alguma forma, contratei seus serviços de pintor. Ele ficou sabendo que eu escrevia e quis contar sua história. Achei interessante, mas não imaginava como o livro ia acabar, que ele reencontraria o pai e as irmãs depois de 43 anos”, conta o advogado e escritor.
Segundo ele, quando convidou Danguinha para fazerem uma visita à cidade natal do personagem, este primeiro relutou, talvez por vergonha, pois “se sentia um fracassado, mas depois aceitou. Agora, parou de beber e se convenceu a voltar definitivamente para sua terra. O livro serviu para ressignificar a história do João. E isso me fez o homem mais feliz do mundo”.
Agora, para que o final da história seja realmente feliz, o advogado-autor assessora juridicamente Danguinha para que ele consiga obter uma aposentadoria por invalidez, já que o AVC o deixou incapacitado para trabalhar. Além disso, pretende juntar dinheiro suficiente para o protagonista do livro comprar uma casinha na Bahia.
“A renda que obtivermos será destinada ao futuro do João. Ele concordou em voltar para a Bahia no início de 2024”, diz Donini.
Vida seca
João França, o Danguinha, nasceu no sertão da Bahia, num arraial desprovido de hospital, médicos ou assistência estatal. Sua casa e dos moradores de Alagoinha eram de pau a pique, sem janelas e sem banheiros. Suas camas eram de varas. Não tinham luz elétrica, os adultos se guiavam pelas estrelas, as crianças, também, pelos vaga-lumes. A refeição matinal era uma mistura de caldo de cana-de-açúcar com café e farinha de mandioca.
Órfão de mãe muito cedo, com quatro anos e meio começou a tomar cachaça e trabalhar. Com oito anos, ganhou seu primeiro shorts; com dez, era vaqueiro. Aos 18, foi morar no “fim do mundo”. Queria ser cantor famoso, tornou-se um qualificado pintor de parede, casou-se duas vezes. Na última separação, injuriado, se embebedou, se perdeu e foi morar na rua.
Um dia “um mandado de Deus” lhe tirou da sarjeta. Um AVC o fez refletir e parar de beber. E o resto da história você leu nos parágrafos anteriores.
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