Dentro do caos da violência nas favelas e da grande festa musical que acontece na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu nessa última sexta-feira a exibição para detentos da Penitenciária Lemos de Brito no Complexo de Gericinó a exibição do filme “João, o Maestro”, com a presença do Maestro João Carlos Martins. O filme é baseado na sua história de superação após 21 cirurgias nas mãos e a descoberta de uma nova forma de continuar na música como maestro. Também estiveram presentes o produtor Luiz Carlos Barreto, o secretário de estado de administração penitenciária cel. Erir Ribeiro, o desembargador Siro Darlan, o presidente da Multirio Caíque Botkay, entre outros convidados.
A atividade foi coordenada pela Superintendência de Audiovisual da Secretaria de Estado de Cultura. Foi uma tarde em que se falou de possibilidades, novas opções de vida, da cultura como ferramenta de inclusão, de cidadania, de pertencimento. Este é o primeiro passo para criar cineclubes dentro dos presídios.
Em dez anos, a população carcerária do Estado do Rio de Janeiro cresceu 130%, passando de 21.987 presos em 2008 para 50.833 até junho desse ano. Apesar de toda sorte de problemas que há no sistema penitenciário, da falta de escolas e postos de trabalho para absorver todo o efetivo carcerário à tuberculose que grassa por todas as unidades do sistema, ainda há pequenos movimentos que permitem se pensar em novas mudanças da política carcerária aplicada no Estado. A cultura é o caminho para a percepção pelo preso da sua cidadania, do seu lugar na sociedade.
Para mi, foi uma tarde alegre e angustiante. Há dez anos, não entrava em uma unidade carcerária. Com aquela energia pesada no ar, aquele depósito de homens sem futuro, uma sensação de impotência a percorrer o corpo: chorei.
Eu me lembrei dos tempos de luta pela liberdade, dos 25 anos rodando por diversos presídios e penitenciárias acompanhando meu companheiro preso. Eram tempos de renovação diária da fé para dar conta do medo daquilo que está fora do seu controle. Na minha mente, veio à tona toda a inquietude de antes: nervosismo, pressão arterial nas alturas, cabeça latejando, coração apertado. Tanta vida, tanto futuro ali engessado, represado… Olho em volta e, na sua quase totalidade, vejo rapazes, a nossa juventude atrás das grades, com o tempo ocioso, sem se preparar para a volta a casa. Preso é bumerangue. Ele sai do ponto de origem, roda pelo sistema carcerário por anos, mas, em algum momento, ele retorna para o convívio social que é a sua origem.
Cabe ao Estado, durante essa trajetória pelo sistema, criar e oferecer ferramentas para que esses homens e mulheres presos possam reescrever sua história, se preparar para a volta ao lar e ocupar seu lugar na sociedade enquanto cidadãos.
A política do encarceramento em massa não beneficia a ninguém. O isolamento sem ferramentas que os façam descobrir a sua importância e a dos outros ao seu redor é um investimento insano em uma sociedade brutal, vingativa, eugênica.
Enquanto não houver um programa de governo que inclua essa população no radar das ações governamentais para equilíbrio social, vamos tentando galgar espaços através de ações que façam com que os presos percebam o quanto são importantes para si, para os seus e para a sociedade em que vivem.